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sexta-feira, 3 de março de 2017

Especialistas alertam para risco do uso do fumacê contra o Aedes

Divisão de Controle das Endemias de Ji Paraná Ro http://dcejipa.blogspot.com.br/


Da Abrasco
Nós, sanitaristas e pesquisadores da Saúde Coletiva que atuamos no GTs Saúde e Ambiente; Saúde do Trabalhador; Vigilância Sanitária; Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável; Educação Popular e Saúde e Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), vimos a público porque temos o dever de elaborar reflexões, questionamentos e fazer proposições que possam orientar as políticas públicas na intervenção preventiva frente às epidemias de microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti. Dentre os eventos sanitários clinicamente visíveis, as problemáticas relacionadas às doenças vetoriais surgem como  um dos mais importantes eventos sanitários pós Segunda Guerra Mundial.
Como se sabe, foi decisão do Ministério da Saúde (MS) imputar a associação da epidemia de microcefalia à infecção materno-fetal pelo vírus da Zika, supostamente introduzido no Brasil em 2014, no Nordeste brasileiro. Diante da inusitada incidência foi determinado o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, desencadeando a intensificação do controle vetorial do Aedes aegypti, dentro da mesma abordagem utilizada para Dengue, que há cerca 40 anos é realizada sem efetividade para os objetivos pretendidos.
Contexto do surgimento da epidemia
O quadro sanitário no qual emerge a epidemia de microcefalia deve ser analisado considerando-se os graves problemas que estão presentes na realidade socioambiental em que ocorreram os casos e no modelo operacional de controle vetorial. A distribuição espacial por local de moradia das mães dos recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior nas áreas mais pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado, com provimento de água de forma intermitente, fato que leva essas populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito favorável para a reprodução do Aedes aegypti, constituindo-se em “criadouros” que não deveriam existir, e que são passíveis de eliminação mecânica.
Alguns fatos que ainda precisam ser questionados e investigados podem justificar a introdução e a disseminação do vírus Zika. É necessário avaliar quais contextos e contingências existiram e aconteceram em 2014 nos locais de aparecimento dos casos de microcefalia. Podemos aventar alguns por saltarem aos olhos, como:
1) Na região Nordeste, em especial na periferia das suas Regiões Metropolitanas, como a de Recife, pode ter havido aumento da degradação ambiental, por existirem nelas todas as condições para a manutenção da alta densidade do Aedes aegypti, pelos baixos indicadores de saneamento ambiental, relacionados ao abastecimento de água, ao esgotamento sanitário, à imensa presença de resíduos sólidos junto aos domicílios e às deficiências de drenagem de águas pluviais. A propósito desta questão, a Revista RADIS Comunicação e Saúde da Fiocruz (n.154, julho 2015) traz uma esclarecedora matéria sobre saneamento ambiental mostrando sua defasagem e os graves problemas ainda não solucionados, o que se agrava pelos indícios de que haverá um retardo de anos no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) com o ajuste fiscal.[1]
2) A utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber dessas famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do número de casos de doenças provocadas por arbovírus. Em 2014 foi introduzido na água de beber das populações nos domicílios e nas vias públicas um novo larvicida o Pyriproxyfen. Conforme orientação técnica do MS[2] esse larvicida é um análogo do hormônio juvenil ou juvenóide, tendo como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento das características adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos e genitália externa), mantendo-o com aspecto “imaturo” (ninfa ou larva), quer dizer age por desregulação endócrina e é teratogênico e inibe a formação do inseto adulto.
3) A intensificação de processos migratórios pela atração de grandes empreendimentos, cujos trabalhadores passam a viver em condições sanitárias precárias nas periferias dos polos industriais (como o de Suape-PE, com trabalhadores vindos de outras regiões e estados do país e de Pecém-CE, com a presença de milhares de coreanos);
4) A Copa do Mundo de 2014, evento de massa de grande porte, teve uma subsede em Recife (Arena Pernambuco). Instalada no município de São Lourenço da Mata (IDH de 0,614), está em uma região com precárias condições sanitárias. Foi observada a maior concentração dos casos de microcefalia inicialmente notificados (600 casos suspeitos) nessas áreas;
5) Fragilidade da vigilância epidemiológica dos municípios e dos estados no diagnóstico diferencial, na investigação de arboviroses e na diferenciação entomológica;
6) As dificuldades na condução da vigilância da Zika e Chinkungunya, ao tratá-las como “dengue branda”.  Frise-se que a capacidade vetorial do Aedes aegypti para transmitir o vírus da Zyka e Chikungunya em nosso meio ainda não está devidamente estudada nem pelos entomologistas em nossos contextos socioambientais. Daí caber indagações: o que fez os casos de dengue se tornar mais graves, se antes era considerada doença benigna desde 1779 até 1950, sem provocar sequela e sem alterações hematológicas, conforme dados da OMS? Como está o sistema imunológico da população diante do modelo químico de controle vetorial e adotadas pelo MS em curso no País há cerca de 30 anos?
As estratégias adotadas pelo MS
Apesar das razões e incertezas que estão na determinação da ocorrência da epidemia de microcefalia, o caminho para o que se chama de “enfrentamento” foi o de intensificar o “combate” ao mosquito pela repetição do que vem sendo adotado há mais de 40 anos sem sucesso. Chamamos a atenção da sociedade para esta questão. Por quais razões, apesar de todos os indicadores de ineficácia, o MS continua a utilizar a mesma abordagem para o controle do mosquito transmissor do vírus da dengue, doença cuja transmissão depende também de outros elementos? Mesmo desencadeando diversas capacitações para os profissionais de saúde e trabalhando em salas de situação para aprimorar o diagnostico e a notificação de casos das novas doenças virais; permanece sem integração as ações das Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e a Promoção da Saúde. O problema que queremos destacar nesta Nota Técnica de alerta está naessência do modelo de controle vetorial, haja vista a intensificação do uso de larvicidas e adulticidas para o Aedes aegypti, sendo que segundo as orientações adotadas pelo MS desde 2014, retrocede-se à orientação de utilização da técnica Ultra Baixo Volume (UBV)[3] com Malathion a 30% diluído em água, abrangendo  todo território nacional.
É preciso também problematizar o uso de produtos químicos numa escala que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioambientais de pessoas e comunidades. O consumo de tais substâncias pela Saúde Pública só interessa aos seus produtores e comerciantes desses venenos. São insumos produzidos por um cartel de negócios muito lucrativo, que atua em todo o mundo e que, mesmo com evidências dos riscos provocados pelos organofosforados e piretroides, dos quais se conhecem tantos efeitos deletérios, têm tido o apoio de agências internacionais de Saúde Pública, como o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma simples consulta às fichas de segurança química de tais produtos entregues pelas empresas aos órgãos de Saúde Pública mostra que esses produtos, a exemplo do Malathion, são neurotóxicos para o sistema nervoso central e periférico, além de provocarem náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e sintomas de fraqueza muscular, inclusive nas concentrações utilizadas no controle vetorial. Quanto à toxicidade ambiental é recomendado evitar seu uso no meio ambiente, o que não tem sido observado, pois seu lançamento é feito da forma como aqui denunciamos. Tais agências se constituem em instâncias de decisão para a compra e distribuição de venenos para todos os países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU). Os fornecedores são os mesmos cartéis de empresas produtoras de agrotóxicos que operam na agricultura, tornando-a também tóxica e químico-dependente. Esse modelo, pós-II Guerra Mundial, destacamos, impôs-se também para o controle das doenças vetoriais em Saúde Pública.
As tecnologias de controle químico dos vetores foram introduzidas amplamente no Brasil a partir de 1968, não se podendo desconsiderar que sua origem deve-se às armas químicas de destruição em massa, amplamente utilizadas pelo exército norte-americano, naquela época, na guerra do Vietnã. A adoção da técnica de tratamento por UBV foi uma prática introduzida nesse mesmo período e, não por acaso, um dos primeiros documentos de sua normatização foi elaborado pelo Exército Americano[4].
Essa mesma lógica já está adotada para oferecer a solução mediante a transgenia e outras biotecnologias imprecisas, duvidosas e perigosas para os ecossistemas, focando a ação apenas no mosquito, sem levar em conta os efeitos em organismos não-alvo. Atenção deve ser dada a empresa inglesa OXITEC nas pesquisas e comercialização do mosquito transgênico, cuja fábrica foi implantada em Campinas-SP em 2013 e que, em 2014, obteve a autorização da CTNBio para comercialização desse Organismo Geneticamente Modificado (OGM), e sobre essa questão a Abrasco publicou Nota Técnica[5].
O foco no mosquito e as consequências para a saúde humana
O lado invisível dos danos ao ambiente e à saúde humana, decorrentes do uso de produtos químicos no controle vetorial, ainda não foi devidamente estudado ou revelado às populações vulneráveis, incluindo os trabalhadores de Saúde Pública. Seus efeitos nocivos são totalmente desconsiderados tanto no agravamento das viroses, quanto no surgimento de outras patologias tais como: alergias, imunotoxicidade, câncer, distúrbios hormonais, neurotoxicidade, dentre outras.
Frisamos o simplismo no trato da questão por parte do MS que reduz a causalidade da Dengue, da Zika e da Chicungunya, centrando as ações na tentativa de eliminar ou reduzir o vetor, o que deve ser substituído, insistimos, pela ação de medidas de cunho intersetoriais para intervir no contexto socioeconômico e ambiental. Visando eliminar o mosquito a ação orientada pelo MS acaba, também, envenenando seres humanos. Mas isto não é reconhecido: ao contrário, há uma ocultação desses perigos. As vozes oficiais repetem até tornar verdadeiros diversos absurdos como: “As doses de larvicidas são tão baixas e pouco tóxicas que podemos colocar na água de beber, sem perigo”[6].
Este despreparo também leva a defender que a epidemia é um problema de Saúde Pública que justifica o uso do “fumacê”, mesmo com produtos químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para os seres humanos[7].
Assim, na tentativa de eliminar o mosquito estão sendo atingidos os humanos mediante efeitos agudos (de morbimortalidade) e de morte lenta, gradual, invisível e que é ocultada. Além das doenças agudas, as crônicas causadas por tais produtos aparecem a médio e longo prazos, a maioria delas chamadas “idiopáticas”, isto é, de causa indefinida ou desconhecida, que não são diagnosticadas ou se quer investigadas.
Ocorre que em pleno século XXI, no caso das doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, houve mais um complicador em termos de Saúde Pública, pois dois novos vírus entraram em nosso país, para cujas doenças – Chikungunya e Zika – não havia experiência no manejo clínico e nem epidemiológico.
A dengue e o sistema de vigilância epidemiológica
O sistema de vigilância epidemiológica da maioria dos serviços de saúde não investigou adequadamente esta nova realidade. Agora, com a tragédia do surgimento dos casos de microcefalia, revela-se este despreparo técnico-gerencial. Historicamente essas questões de Saúde Pública estão imersas em “razões de Estado”, desconhecidas pela maioria da sociedade. Devemos perguntar: que razões são essas? Para tal basta examinar os documentos oficiais do MS sobre controle vetorial.
Neste sentido, é pedagógico examinarmos os documentos orientadores emanados do MS. É o caso, por exemplo, da NOTA TÉCNICA N.º 109/2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS[8] de COMBATE à DENGUE, na qual estão bem ilustrados os equívocos que aqui sinalizamos, ou seja, a intensificação do uso da UBV motorizada e costal nos domicílios e nas vias públicas. Nela se reitera os vários absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o MS insiste em manter e ampliar.
O envenenamento da população pobre
No Brasil, a Dengue tornou-se uma doença endêmica com surtos epidêmicos e isto precisa ser assumido de uma vez por todas. Quais são as áreas específicas de maior circulação viral? Justamente aquelas onde habitam as populações mais pobres, que tem piores condições imunológicas e sem saneamento adequado, o que vai se agravar conforme noticias do jornal FOLHA de SÃO PAULO, edição de 11-01-2016. E por que não se divulgam essas vulnerabilidades para a própria população? Acima referida Nota Técnica faz menção à outra, de nº 118/2010, que formula um parâmetro composto, com o que se busca introduzir  indicadores ambientais[9].
Ocorre que o faz apenas para a “delimitação das áreas que necessitam de maior intensificação das ações do combate ao vetor”. Ou seja, a aplicação de veneno (inseticidas e larvicidas) acaba aumentando a nocividade sobre o sistema imune.
A NT 109/2010 informa ainda, que “as ações de controle larvário a serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser “tratada” com veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida. Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os mais protegidos e são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário. Prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito.
Ainda na NT 109/2010 o MS advoga que o sucesso do controle de doenças transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando cita como referência para sua justificativa nesse documento a “National Academy of Sciences, National Research Council. Pesticides in the Diets of Infants and Children. National Academy Press, Washington”.  Ressaltamos que o MS é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar pelo princípio da precaução quando se coloca o tema relacionado às exposições humanas a produtos químicos perigosos.
Também nela se lê que em razão do crescente agravamento do processo de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões do Comitê de Especialistas em Praguicidas da OMS (WHOPES) é encontrar novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito está a demonstrar a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.
Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas medidas utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele país. Por que não analisar nossas próprias experiências, afinal temos um tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são edificantes?
Mais venenos, mais resistência, mais venenos
É utilizado o exemplo do inseticida organofosforado Temephós (conhecido comercialmente como ABATE®), a 1%, introduzido no Brasil em 1968, como larvicida em água potável especialmente no Norte e Nordeste brasileiro, cujos impactos na saúde das populações não foram estudados. Sabemos que apesar da constatação da resistência do mosquito o MS continuou a utilizá-lo até o esgotamento de seu estoque, a despeito de ter sido demonstrado a resistência nos insetos alvo e a farta informação toxicológica dos potenciais riscos para a saúde humana.
A continuidade da adição de outros larvicidas substitutos na água de beber das pessoas se dá até hoje sem qualquer preocupação sobre sua concentração final, pois por orientação das normas do MS é indicada a diluição dos larvicidas apenas considerando o volume físico do recipiente e não pela  quantidade interna de água no recipiente. Em 1998, um alerta formal sobre este erro de diluição foi feito por químicos, médicos e engenheiros sanitaristas reconhecidos, mas nada mudou! Teimosamente, até hoje os documentos oficiais do MS recomendam a adição do larvicida nas caixas d’água considerando apenas o volume físico e não a quantidade de água que de fato existe em seu interior.
Um fato agravante é que em Pernambuco e outras regiões do Nordeste há racionamento frequente de água. Diante disso, cabe indagar: há quanto tempo o povo dessas regiões bebe água envenenada? De forma não cuidadosa e com falta de precaução, a introdução dos larvicidas classificados como reguladores de crescimento de insetos (IGR) dá-se mediante Notas Técnicas ainda mais abusivas no que se refere a “despotabilização” da água de beber.
Entendemos que aqui está a chave mestra para discutir porque o MS admite e defende esse modelo. Por trás disso estão a OMS e OPAS com o peso institucional de seus comitês de “pesticidas” que não dialogam com os comitês: ambiental, de saneamento e de promoção da saúde. Naqueles comitês internacionais, os que fazem a prescrição do uso e a regulação da compra dos insumos de controle vetorial para o mundo são imperiais. São tais organismos que convencem e dão o aval aos processos licitatórios dos governos nacionais.
Os larvicidas reguladores de crescimento como o Diflubenzuron e Novaluron, introduzidos no lugar do Temephós, mostram-se problemáticos. Em Recife, foi realizado estudo de efeito sobre a saúde dos trabalhadores que os aplicam constatou-se a ocorrência de metahemoglobinemia; também se sabe que seus metabólitos têm diversos efeitos tóxicos, e que não são considerados. Tais resultados foram amplamente divulgados no II Seminário da Rede Dengue da Fiocruz em novembro de 2010, na cidade do Rio de Janeiro; no Primeiro Simpósio de Saúde e Ambiente em 2010, realizado na cidade de Belém e no 10º. Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em 2012, na cidade de Porto Alegre.
Com sua política centralizadora, os setores do MS responsáveis pelo controle vetorial contraindicam que os municípios adotem outros meios independentes do uso químico. Mesmo diante da constatação da ineficácia do modelo utilizado. Os municípios gastam inutilmente seus parcos recursos em produtos químicos perigosos e fazem os trabalhadores da saúde atuarem apenas nesse ponto, expondo-os ainda aos venenos.
Insistindo nessa estratégia, houve, em 2014, a introdução do larvicida Pyriproxyfen, e mesmo sabendo-se de sua toxicidade como teratogênico e de desregulação endócrina para o mosquito, foi considerado de baixa toxicidade. E, mais uma vez, o MS recomenda o seu uso em água potável, para ser adicionado nos reservatórios e caixas de água, independentemente da quantidade de água no seu interior, tornando a concentração mais elevada quando em situações de racionamento de água[10][11].
Diante de produtos que têm efeito teratogênico em artrópodes, o que pelas normatizações para registro de agrotóxicos seria vedado seu uso na agricultura, por razões de segurança alimentar, perguntamos como aceitar o uso em água potável destinado ao consumo humano? O que dizer desse uso em um contexto epidêmico de má formação fetal? No estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recentemente decretado pelo MS, conforme noticia a grande mídia, está sendo preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas que distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste. Alertamos que esta é a mais recente medida sanitária absurda e imprudente imposta pelos gestores do modelo químico de controle vetorial.
Embora a NT 109/2010 reconheça que “A inserção de ações intersetoriais, tais como o abastecimento regular de água e coleta de resíduos sólidos, constitui-se em uma atividade fundamental para impactar na redução da densidade do vetor Aedes aegypti”, pouco se propõe nesse sentido. Insistimos na pergunta: por que é mantido o controle vetorial centrado em um programa que há mais de 40 anos vem mostrando ineficácia e ineficiência para fazê-lo? Impõe-se, pois, uma estratégia centrada na identificação e eliminação dos criadouros e no Saneamento Ambiental. O que de fato está sendo feito para o abastecimento regular de água nas periferias das cidades? Como as pessoas podem proteger as águas reservadas para consumo? Por que apesar de muitas cidades terem coleta de lixo regular ainda se observa uma quantidade enorme de resíduos sólidos diariamente dispostos no ambiente? O que está sendo feito para cuidar desta questão? E a drenagem urbana de águas pluviais? E o esgotamento sanitário?
Merece ainda destaque a NT 109/2010, quando afirma que “o maior problema reside nos “adulticidas espacial e residual”, lamentando que os venenos disponíveis estejam restritos apenas aos “grupos dos organofosforados e piretróides. Nos organofosforados a oferta restringe-se ao Malathion (espacial) e o Fenitrothion (residual)”. Esclarecemos que a menção ao termo “espacial” se refere a uso em nebulizadores (Ultra Baixo Volume – UBV, conhecido como “fumacê”, ou por equipamento costal). Dos venenos acima referidos, sabe-se, como já dito, que o Malathion é um potente cancerígeno para animais e, recentemente, foi reconhecido como potencialmente cancerígeno para humanos pela IARC da OMS[12]. Vale o destaque, de que diversos produtos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti como o  Fenitrothion, Malathion e Temephós vem sendo estudados desde 1998, no Departamento de Química Fundamental da UFPE e mostram ter efeitos potencialmente carcinogênicos para humanos. As recomendações pelo MS do uso de Malathion encontram-se no documento Recomendações sobre o uso de Malathion Emulsão Aquosa-EA 44% para o controle de Aedes aegypti em aplicações espaciais a Ultra Baixo Volume UBV, de 2014[13]. Com a adoção dessas nebulizações o envenenamento é potencialmente, ainda mais amplo e perigoso.
Sem trocadilhos, chega-se assim, ao fundo do poço, em termos de falta de compreensão dos processos de determinação socioambiental e de cuidados na prevenção das doenças relacionadas aos vetores, aos quais se somam os interesses nacionais e internacionais estranhos às questões de saúde públicas e relacionadas às agendas de consumo dos agrotóxicos.
Onde fica o saneamento ambiental?
Uma pergunta que não quer calar precisa ser aqui posta com total indignação: por que não foram priorizadas até agora as ações de saneamento ambiental, estratégia que parece ficar ainda mais distante?
A propósito, se visitarmos as periferias das grandes cidades e as chamadas zonas especiais socialmente vulneráveis, onde as carências são de toda ordem, ver-se-á um quadro sanitário tão grave que nenhuma quantidade de veneno poderá resolver o controle vetorial, ao que acresce o fato de que as pessoas terão sua saúde gravemente comprometida.
As políticas urbanas e de saneamento são, em geral, desarticuladas. As precárias condições de moradia, de urbanização e de saneamento ambiental, contexto característico da grande maioria dos casos de microcefalia, refletem um modelo de desenvolvimento e de políticas urbanas que atinge aos pobres, já vulnerabilizados historicamente pela abissal desigualdade social brasileira. Habitações sem condições para adequado armazenamento de água domiciliar, localizadas em áreas íngremes ou alagadas, com precária infraestrutura e urbanização e com serviços de saneamento precários. Um contexto que reflete a mazela social que destina melhor infraestrutura e melhores serviços para as classes média e alta. O exemplo da desigualdade no acesso à água potável no Brasil é emblemático dessa assimetria de acesso. O consumo per capitapode variar em uma cidade de 30 a 500 litros/hab/dia. Uma das expressões dessa desigualdade é no rodízio semanal do acesso ou na intermitência do abastecimento de água. A grande maioria de casos de microcefalia ocorreu em cidades com problemas sérios de rodízios ou intermitência, onde os mais pobres ficam mais dias sem água por semana e os mais ricos ou não tem rodízio ou intermitência ou os tem por poucos dias. A crise hídrica e a má gestão dos serviços de saneamento também tem imposto o rodízio ou intermitência a cidades inteiras, e mesmo o colapso no abastecimento, cenário de muitos casos de microcefalia no Nordeste.
Diante da inoperância dos métodos de controle do Aedes aegypti, a gravidade da situação se aprofunda. Em Pernambuco a Secretaria de Estado da Saúde (SES) notificou ao MS, em 28 de outubro de 2015, a existência de 29 casos de microcefalia naquele ano, até então mais do que o dobro do que vinha ocorrendo nos anos anteriores. Destaca-se que apenas 07 estados tinham a prática de notificação obrigatória de má-formação congênita. Em dezembro de 2015 constatava-se que 14 estados estavam com prevalência de microcefalia elevada. A proporção de novos casos em Pernambuco tornou-se assustadora. No dia 18 de novembro de 2015, o MS decreta o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, situação que apenas fora adotada em 1917, com a ocorrência de Gripe Espanhola. Conforme noticiado pelo Diário de Pernambuco, em 20/01/2016, o número de casos suspeitos de microcefalia subiu para 3.893. Os registros foram feitos em 764 municípios, distribuídos em 21 unidades da federação. Até essa data, foram notificadas 49 mortes provocadas por essa má-formação. Do total desses óbitos, 05 tiveram confirmadas a presença do vírus Zika. Embora sabemos que, em uma situação de exposição materna ao vírus, e este ultrapassando a barreira placentária, é esperado que o feto também se exponha. Neste campo ainda há muitas questões em processo de pesquisa. Segundo informações do MS, Pernambuco continua a ser o Estado com o maior número de casos suspeitos (1.306), o que representa 33% do total registrado em todo o país[14].
Deve-se alertar e assinalar que a entrada no Brasil do vírus Zika não foi acompanhada de um conhecimento da sua dispersão pela vigilância epidemiológica e entomológica. Uma série de medidas, todas centradas na prática do uso de venenos foi intensificada, a partir da aceitação de relação direta entre microcefalia e Zika vírus. Como aditivo temos a recomendação para gestantes de uso de repelente[15]. Com isso o DEET (N,N-dimetil-meta-toluamida) vem sendo comercializado sem restrição para mulheres grávidas, outra banalização de exposição química[16].
O quadro de crise epidemiológica das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti é ainda mais grave e aqui é importante dizer que no Brasil, entre 2014 e 2015, ocorreram cerca de 1,5 milhão de casos, a metade no estado de São Paulo. Porque nesse estado, onde ocorrem periodicamente epidemias de Dengue, que anteriormente registrava pouquíssimos óbitos, e que, nesse período, houve inusitadamente mais de 400 mortes associadas a complicações de Dengue? Será que tal fato tem relação com a informação de que, em São Paulo, vem se intensificando o controle vetorial com uso de Malathion em nebulização química? Esse veneno é utilizado desde 2001, a 30% na formulação final, em processo de nebulização, pela Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), sendo que no segundo semestre de 2014, foi introduzida  pelo MS uma nova formulação de Malathion diluído em água[17], contendo emulsificantes e estabilizantes não declarados. A justificativa dessa substituição foi o seu menor custo. Será que pode haver alguma associação entre a exposição ao Malathion e essa mortalidade considerada tão aumentada por complicações da Dengue? Quem são esses que morreram? São idosos, portadores de doenças crônicas, crianças? É preciso saber mais. A população exposta ao Malathion foi investigada? A possibilidade de essas mortes estarem associadas à exposição ao Malathion foi aventada e pesquisada? Salientamos que devido ao uso massivo e contínuo de substância tão tóxica essa investigação precisa ser realizada.
Finalizando, reivindicamos das autoridades competentes a adoção das medidas a seguir:
1) Imediata revisão do modelo de controle vetorial. O foco deve ser a ELIMINAÇÃO DO CRIADOURO e não o mosquito como centro da ação; com a suspensão do uso de produtos químicos e adoção de métodos mecânicos de limpeza e de saneamento ambiental. Nos reservatórios de água de beber utilizar medidas de limpeza e proteção da qualidade da água e garantia de sua potabilidade;
2) Nas campanhas de Saúde Pública para controle de Aedes aegyptiimediata suspensão do uso de Malathion ou qualquer outro organofosforado, carbamato, piretróide ou organopersistente, seja em nebulização aérea ou em cortinados tratados com veneno (mosquiteiros impregnados). Substituir o uso desses produtos por barreiras mecânicas, limpeza, aspiração, telagem de janelas, portas entre outras medidas;
3) Nas medidas adotadas pelo MS para controle de Aedes aegypti em suas formas larva e adulto,imediata suspensão do  Pyriproxyfen (0,5 G) e de todos os inibidores de crescimento como o Diflubenzuron e o Novaluron, ou qualquer outro produto químico ou biológico em água potável. O conceito de potabilidade da água não pode ser perdido, ele é a chave para as medidas participativas de eliminação de vetores.
4) Que sejam realizados esforços intersetoriais para a acabar com a intermitência do abastecimento de água nas áreas de urbanização precária. Água é um direito humano. As populações mais vulneráveis devem, por equidade, serem as mais protegidas;
5) Que as ações de controle vetorial no ambiente seja uma atribuição dos órgãos de saneamento e de controle ambiental municipais, estaduais e nacional e não só do SUS, que deve atuar na vigilância entomológica, sanitária, ambiental, epidemiológica, virológica e da saúde do trabalhador, aferindo se as medidas de saneamento ambiental estão resultando em melhoria das condições de saúde;
6) Que as políticas urbanas e de saneamento ambiental promovam programas integrados para a resolução dos problemas de moradia, saneamento e urbanização;
7) Que a vigilância epidemiológica seja realizada por profissionais experientes em clínica, fisiopatologia e epidemiologia, em diversos níveis do SUS. Esta proposição se dá no fortalecimento da integração e atuação articuladas das áreas de vigilância da saúde com as áreas de produção de conhecimentos.
8) Que sejam realizadas pesquisas clínicas e informadas outras disfunções ou malformações relativas as viroses da Dengue, da Zika e da Chincungunya e que sejam estudados os efeitos da exposição a produtos químicos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti;
9) Que o amparo às famílias acometidas pelo surto de microcefalia se dê mediante uma política pública perene e não transitória. Que esse apoio seja integral, incluindo neste atenção a família pelo trauma psíquico decorrente desse desfecho gestacional.
10) Que seja realizada uma auditoria nos modelos de controle vetorial por uma comissão multidisciplinar de especialistas  independentes, incluindo avaliação do modos operados do Fundo Rotatório da OPAS/OMS a ser solicitado pelo governo brasileiro, quiçá em conjunto com outros países latino-americanos que sofrem as mesmas imposições,  à Organização da Nações Unidas;
12) Que seja ratificada a imediata elaboração pelo Ministério da Saúde de orientações técnicas para a Atenção à Saúde dos Trabalhadores da Saúde que NO PASSADO se expuseram aos agrotóxicos utilizados no controle do Aedes aegypti, a serem adotadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, em acordo com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e com experiência exitosas;
13) Que seja criado, pelo MS, um Portal para acesso amplo da população a todos processos e fatos associados ao controle vetorial, às epidemias relacionadas à ação do Aedes aegypti e a epidemia de microcefalia. Nele deve também ser informado quando utilizados, o volume, os tipos de produtos químicos, o número de domicílios e imóveis nebulizados, por Unidade da Federação e por município, pois são do maior interesse dos profissionais de saúde e da sociedade.
Por fim, chamamos atenção da sociedade civil, diante da atual declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional para epidemia de microcefalia e arboviroses, que: a) todas as medidas de controle vetorial sejam realizadas com mobilização social no sentido da proteção e respeito da cidadania pela Saúde Pública, priorizando-se as medidas de saneamento ambiental, com garantia da potabilidade da água de beber, como parte do respeito aos Direitos Humanos e orientados pelos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúdeb) que o SUS deve rever as estratégias e conteúdos da comunicação social à população, tirando o foco na responsabilidade individual e das famílias, explicitando as responsabilidades dos diversos setores estatais, com ênfase na importância das medidas de saneamento, coleta de resíduos, cumprimentos das políticas de resíduos sólidos, garantia de abastecimento de água; e c) melhoria da qualidade da assistência às famílias e às crianças acometidas e da atenção pré-natal, pois se agrava a fragilidade observada que já era conhecida – a exemplo dos casos de sífilis congênita – e que se comprova com a ocorrência de casos de microcefalia identificados após o parto.