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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Combate ao Aedes aegypti pode ser mais nocivo ao humano do que ao mosquito, diz pesquisadora

Divisão de Controle das Endemias de Ji Paraná Ro http://dcejipa.blogspot.com.br/



“No combate a doenças transmitidas por vetores, a saúde pública está carente, não apenas em tecnologia, mas em termos de abordagem integrada e participativa”, constata a médica e pesquisadora Lia Giraldo da Silva Augusto
Por Patrícia Fachin e Leslie Chaves,
Do IHU On-line



O clima de guerra contra a Dengue, Chikungunia e Zika Vírus no país não tem tem sido efetivo nos programas de controle do mosquito vetor dessas doenças. Essa é a opinião da pesquisadora e professora Lia Giraldo da Silva Augusto.

Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, a pesquisadora, que atua principalmente na área da saúde coletiva, ressalta que a ideia da guerra abre portas para um “vale tudo” no combate ao mosquito, como o uso de venenos como o Malathion, nocivo aos seres humanos e ao meio ambiente como um todo. Por outro lado, “a linguagem bélica mobilizada para o controle vetorial também precisa sofrer transformações, pois o conceito até hoje utilizado é de que o mosquito é ‘o inimigo’. Quando nós humanos, é que criamos política, econômica e socialmente as condições para que ele, com sua robustez biológica, tenha sucesso em sua procriação”, analisa a pesquisadora.

Lia Giraldo da Silva Augusto ressalta ainda que “é fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito comprova a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti”.

Foto: Prefeitura de Caldas Novas


Segundo a professora, há meios e abordagens alternativos para modificar as condições que possibilitam a existência dos criadouros do mosquito, os quais não colocariam a população e o ambiente em risco, porém seria necessária uma mudança drástica na mentalidade que embasa o planejamento das ações e a integração entre diferentes instituições e a comunidade. “A população precisa ter um envolvimento proativo e promover cuidados com base em esclarecimentos honestos sobre as razões pelas quais essas epidemias ocorrem. Colocar a vítima como responsável pelo mal não tem dado certo também. Se houver esforço governamental para o saneamento e limpeza pública e a população tiver sua cidadania respeitada, ao ser chamada para proteger seu ambiente e a potabilidade da água de beber, em condições reais de fazê-lo, teremos uma transformação”, aponta.

Lia Giraldo da Silva Augusto é graduada em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), mestra em Clínica Médica e doutora em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fez especializações em pediatria, Saúde Pública, Medicina do Trabalho, Epidemiologia e Psicanálise. Atualmente é professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE) e pesquisadora aposentada da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde continua integrando o quadro permanente de docentes.

Ela é professora associada na Universidade Andina Simón Bolívar – Quito, Equador. Também trabalha em diversas frentes pelo campo da saúde coletiva, como o Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Campanha Permanente de Combate aos agrotóxicos e pela vida e Fórum Pernambucano de Combate aos efeitos dos agrotóxicos.

IHU On-Line – Quais são os órgãos responsáveis por investigar os casos de dengue e zika vírus no país? Que informações os órgãos responsáveis têm sobre a proliferação dessas doenças no Brasil, tanto no que diz respeito a como foram introduzidas no país, quanto acerca dos sintomas e tratamentos?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Todos os serviços de saúde devem estar envolvidos na notificação e investigação de viroses ou qualquer doença infecciosa. As doenças de notificação compulsória, especialmente para estas, há uma estrutura de vigilância normatizada em um sistema nos três níveis do governo: Federal, Estadual e Municipal que devem monitorar e esclarecer situações relativas ao diagnóstico diferencial, tratamento e seu comportamento na população. Também são responsáveis por definir quando um agravo é endêmico ou epidêmico.

A determinação de como um vírus entra e se dispersa em um país é, pois, função desse sistema, que precisa estar bem integrado ao de assistência à saúde (pública e privada) para detectar os casos iniciais e depois monitorar a incidência nos aspectos relacionados aos contextos e as particularidades individuais das pessoas acometidas. Assim, o raciocínio epidemiológico se estabelece e torna-se possível o planejamento das ações de prevenção e controle.

Quanto a Dengue, sua entrada no Brasil tem registro desde 1779. Até a década de 1960 a dengue era considerada uma doença benigna com baixíssimas sequelas e mortalidade. Muito se sabe sobre essa doença em nosso meio, embora o modelo de controle do vetor que a transmite não esteja sendo eficaz. As razões são bem claras, mas os órgãos internacionais e nacionais responsáveis pelo controle vetorial insistem em utilizar um modelo centrado no mosquito vetor mediante uso de produtos biocidas (químicos e biológicos). Entretanto, na verdade, esse modelo deveria ser centrado nas condições que possibilitam a procriação do mosquito, isto é, deveria ser direcionado ao saneamento ambiental, à oferta regular e contínua de água, à proteção da água de beber, e à limpeza mecânica do ambiente. Os métodos utilizados hoje, além de ineficazes são perigosos e os danos de seu uso na população não são monitorados.

Quanto ao vírus Zika ainda pouco se sabe, pois supostamente sua introdução deu-se em 2014 e inicialmente foi considerada uma espécie de Dengue branda. O diagnostico diferencial entre essas duas viroses não foi realizado e a dispersão da doença não foi monitorada. E também por esta razão que o tratamento do Zika e a conduta de seguimento dos casos foram considerados iguais aos da Dengue. Somente agora com a ocorrência de casos de microcefalia é que há uma preocupação maior.

IHU On-Line- Como se dá o diálogo entre órgãos brasileiros de diferentes áreas como do Meio Ambiente, do Saneamento Básico e da Saúde quando se trata de investigar e tentar solucionar os casos de epidemia de dengue e zika vírus no país?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Infelizmente as ações integradas entre os órgãos de saúde e aqueles afins relacionados aos territórios nos aspectos produtivos, de ocupação do solo, ambientais e sociais não ocorrem devidamente. O caso das doenças transmitidas por vetores é um bom exemplo. Lembramos que o componente saneamento desapareceu dos programas de controle de dengue desde a formulação da segunda edição do Programa de Erradicação do Aedes aegypti e que depois foi substituído pelo Plano Nacional de Controle da Dengue. Temos a má notícia que o Plano Nacional de Saneamento sofrerá um atraso de mais de 20 anos.

IHU On-Line- Como explica a epidemia de microcefalia no país, com mais de 3.500 casos registrados? Por que se chegou a esse estágio? Há relações entre as doenças vetoriais e os casos de microcefalia? Pesquisas estão sendo realizadas no país para confirmar essa relação direta?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Estamos falando dessas cifras em termos de casos suspeitos. Nos primeiros 600 casos suspeitos e confirmados na região metropolitana de Recife sua distribuição geográfica mostrou maior concentração nas áreas mais pobres e mais carentes, onde há intermitência no fornecimento da água e envenenamento com uso de produtos larvicidas.

Há uma série de contingências que precisam entrar na avaliação da relação vírus-vetor-doença, pois a pergunta deve ser relacionada à que condições e como se dá a presença de criadouros que possibilitam condições ótimas para a procriação do Aedes aegypti. Uma relação direta é falaciosa, na medida em que se trata de uma doença cuja determinação é complexa. O Brasil desde a década de 50 transformou-se rapidamente de um país rural para urbano, com grandes bolsões de pobreza, habitações e saneamento precários na periferia da maioria das cidades.

IHU On-Line – Quais são as dificuldades em relação ao tratamento clínico epidemiológico de doenças como dengue, zika e chikungunia?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Do ponto de vista epidemiológico e sanitário, estão em jogo três ecologias que são interdependentes: a dos vírus, a do vetor e a dos humanos, e estas precisam ser abordadas conjuntamente. Do ponto de vista clínico, uma virose, como a dengue, que antes era benigna e que vem apresentando quadros clínicos com complicações cujas razões ainda não estão bem esclarecidas; o sistema imune das populações pode estar afetado por questões ambientais e alimentares. Entre essas variáveis, podemos levantar a hipótese de que o uso intensivo de inseticidas nos ambientes domésticos e o uso de larvicidas na água de beber dessas pessoas também podem fazer parte dessa vulnerabilidade. Sobre isto, pouco sabemos, pois não se fazem estudos para avaliar os danos do modelo de controle vetorial sobre a saúde das populações expostas ao uso desses produtos químicos, por exemplo do Malathion, que é um potencial cancerígeno.

A quantidade de vacinas que as pessoas estão expostas precisa também ser investigada, tal como a H1N1, inclusive aplicada em gestantes, pode acarretar a Síndrome de Guillain-Barré. Todas essas contingências interatuando podem estar na determinação de uma doença que tem um componente social também muito evidente. São os mais pobres os mais atingidos. Eu resumiria que a dificuldade surge primeiramente pela forma causalista de se estudar essas doenças dentro de uma linearidade entre causa-efeito, desconsiderando-se o contexto.

IHU On-Line – Como a epidemia de microcefalia tem sido tratada pelo Ministério da Saúde?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Em âmbito coletivo, tem sido tratada no aspecto da prevenção. Ao fazer a relação com a transmissão vetorial, foi escolhido o mesmo modelo para o controle do Aedes aegypti, não eficaz e perigoso, e se intensificado essa prática.

Faz 40 anos que foi introduzido larvicida na água de beber para controle vetorial aqui no país e há 30 anos a nebulização com inseticidas é realizada. Esse modelo não impediu a difusão do mosquito, a entrada de novos sorotipos de Dengue e de outros vírus diferentes, tão pouco o agravamento da Dengue, que antes era benigna e hoje apresenta uma frequência alta de sérias complicações clínicas.

No centro da conduta, o Ministério da Saúde utiliza a mesma abordagem que já se mostrou inócua. Continua centrando a ação no mosquito e não nas condições que possibilitam os criadouros, que precisam sim ser eliminados, mas não a custa do envenenamento da população, mas por medidas saneamento, limpeza mecânica e garantia de acesso à água e proteção de sua potabilidade. Água com larva ou veneno não é potável e, portanto, não indicada para o consumo. Não é possível aceitar a ocultação do risco do uso de venenos nos domicílios e peridomicílios para o controle vetorial.

IHU On-Line – Como o Brasil tem enfrentado os casos de doenças vetoriais? Em contrapartida ao que vem sendo feito atualmente, o que seria um conjunto de ações transformadoras para enfrentar a raiz desse problema e combater, de fato, as doenças vetoriais? Em que deveria consistir uma revisão do modelo de controle vetorial que vem sendo aplicado no país?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Bem, como já mencionei, a orientação deveria ser para ações no ambiente onde vivem, moram e trabalham as pessoas, mediante ações intersetoriais de limpeza urbana, saneamento e medidas de garantia de acesso e proteção da água de beber, que deve ter sua potabilidade preservada. O problema dessas viroses não pode ser exclusivo do Ministério da Saúde.

Lembramos que o componente da primeira versão do Programa de Erradicação do Aedes aegypti desapareceu e nunca mais foi retomado. Enquanto o modelo do Ministério da Saúde for centrado na eliminação do vetor mediante uso de biocidas (químicos ou biológicos) continuaremos a sofrer desses males.

A Atenção Básica à Saúde é fundamental, bem como as escolas nessa conscientização. A população precisa ter um envolvimento proativo e promover cuidados com base em esclarecimentos honestos sobre as razões pelas quais essas epidemias ocorrem. Colocar a vítima como responsável pelo mal não tem dado certo também. Se houver esforço governamental para o saneamento e limpeza pública e a população tiver sua cidadania respeitada, ao ser chamada para proteger seu ambiente e a potabilidade da água de beber, em condições reais de fazê-lo, teremos uma transformação.

A linguagem bélica mobilizada para o controle vetorial também precisa sofrer transformações, pois o conceito até hoje utilizado é de que o mosquito é “o inimigo”. Quando nós humanos, é que criamos política, econômica e socialmente as condições para que ele, com sua robustez biológica, tenha sucesso em sua procriação.

IHU On-Line – Quais são os Estados com maior foco de dengue, zika vírus e casos de microcefalia?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Inicialmente os Estados afetados foram do Nordeste (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Bahia), mas neste momento já estão sendo registrados em outros Estados do Sudeste e a tendência é a sua dispersão. É muito dinâmico este quadro epidemiológico, mas vimos claramente no Nordeste que a maior concentração de casos suspeitos e confirmados está nas regiões metropolitanas das capitais nordestinas acima citadas.

IHU On-Line – Como avalia a Nota Técnica N.º 109/ 2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS de Combate à Dengue? O que ela informa sobre o modo como o Ministério da Saúde está tratando o combate ao Aedes Aegypti?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Aqui vou me valer da análise realizada pelos Grupos Técnicos de Saúde do Trabalhador, de Vigilância Sanitária, de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável, de Educação Popular e Saúde, e de Saúde e Ambiente da Abrasco, do qual eu faço parte. Nessa avaliação, mostra-se que a Nota Técnica nº 109/2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS de Combate à dengue ilustra bem os vários absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o Ministério da Saúde insiste em manter e ampliar. Mas também há outra Nota Técnica, a de nº 118/2010, que precisa ser analisada em conjunto, pois propõe um indicador ambiental apenas para a “delimitação das áreas que necessitam de maior intensificação das ações do combate ao vetor”.

A NT 109/2010 informa ainda, que “as ações de controle larvário a serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser “tratada” com veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida. Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os mais protegidos são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário.

Desse modo, prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito. Ainda na NT 109/2010 o Ministério da Saúde advoga que o sucesso do controle de doenças transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando cita como referência para sua justificativa nesse documento o trabalho “Pesticides in the Diets of Infants and Children” (Washington: National Academy Press, 1993). Ressaltamos que o Ministério da Saúde é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar pelo princípio da precaução quando coloca o tema relacionado às exposições humanas a produtos químicos perigosos.

Também nessa Nota Técnica se lê que em razão do crescente agravamento do processo de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões do Comitê de Especialistas em Praguicidas da Organização Mundial da Saúde (Whopes/OMS) é encontrar novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito comprova a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.

Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas ações utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele país. Por que não analisar nossas próprias experiências? Afinal temos um tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são edificantes?

IHU On-Line – Por que o Brasil aposta no controle do Aedes Aegypti através do uso de inseticidas como o Malathion? Esse tipo de produto causa riscos à saúde? Fala-se que os inseticidas estão contaminando a água. Estudos estão sendo feitos a esse respeito?

Lia Giraldo da Silva Augusto – O controle vetorial nos países signatários das Nações Unidas segue protocolos da OMS e da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, que tem um Fundo Rotatório para a compra de venenos. Os países pobres, de modo geral, seguem esse plano acriticamente. É um contrassenso a saúde pública se valer de produtos tóxicos para a população, quando outros meios existem. O Malathion é um desses absurdos, pois ele é classificado pela própria OMS como potencialmente cancerígeno para humanos, mas isto se quer é levado em consideração. Ao contrário esse risco é ocultado. A população não é monitorada quanto a esses efeitos.

O uso de larvicidas na água é a mesma coisa. Por exemplo, o que tem sido usado atualmente, o Pyriproxyfen, tem efeitos teratogênicos no mosquito e retarda o seu desenvolvimento, esse mecanismo de ação em um ser vivo merece cautela para exposição humana também, no entanto não se fazem estudos. Há um esforço “de guerra” no “combate” ao vetor e isto oculta os demais riscos. Esta mentalidade ou estratégia bélica, que se traduz em uma linguagem autoritária e em um modelo vertical de controle, também precisa ser mudada.

IHU On-Line – Caso os inseticidas fossem suspensos, que outros métodos poderiam ser usados para eliminar os focos de Aedes Aegypti?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Métodos mecânicos de limpeza e de proteção da água de beber.

IHU On-Line – Há informações de que em 2014 o Brasil registrou um milhão e 500 mil casos de Dengue. Qual é o significado desse dado?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Significa a degradação ambiental e a enorme desigualdade social.

IHU On-Line – Quais são as questões que precisam ser esclarecidas e levadas em conta quando se trata de analisar os casos de Dengue, Zika Vírus e microcefalia no Brasil?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Como já mencionei, é necessário que se conheça as três ecologias que estão em interação: a do vírus, a do vetor e dos humanos. Nessa compreensão, novas questões irão orientar novos estudos, que possam fornecer respostas integradas e interdisciplinares a esse problema que é complexo, e não soluções pontuais que não dialogam com a problemática.

IHU On-Line – O que caracteriza o Estado de Emergência Sanitária?

Lia Giraldo da Silva Augusto – De maneira sintética, podemos dizer que nos casos de grande incidência de uma doença, se pode considerar um estado emergencial para a saúde pública. No entanto, é mais aplicado em doenças transmissíveis, em situação de epidemia. Geralmente quando a doença afeta a sociedade como um todo, traz graves consequências sociais, econômicas e de sofrimento humano, e o controle da situação não depende apenas de ações localizadas. Raramente é decretada, quando o é, possibilita inclusive “leis de exceção” para a saúde pública, como a intensificação de uso de produtos tóxicos; vacinação em massa, muitas vezes ainda em fase experimental, ou até a entrada forçada nos domicílios, como uma estratégia de guerra.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Gostaria de ressaltar que no combate a doenças transmitidas por vetores, a saúde pública está carente, não apenas em tecnologia, mas em termos de abordagem integrada e participativa. Enquanto permanecer esse modelo simplista, vertical, autoritário e perigoso, vamos ter resultados pífios e mentirosos, como, por exemplo, dizer que os ajustes no modelo de controle vetorial foram um sucesso, quando, na verdade, estamos no período de silêncio imunológico, que ocorre logo após um surto epidêmico, onde a maior parte da população exposta ao vírus ficou vacinada naturalmente. Vi isto acontecer na vigência do Programa Nacional de Controle da Dengue mais de uma vez e em governos diferentes.

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