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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Combate ao Aedes aegypti pode ser mais nocivo ao humano do que ao mosquito, diz pesquisadora

Divisão de Controle das Endemias de Ji Paraná Ro http://dcejipa.blogspot.com.br/



“No combate a doenças transmitidas por vetores, a saúde pública está carente, não apenas em tecnologia, mas em termos de abordagem integrada e participativa”, constata a médica e pesquisadora Lia Giraldo da Silva Augusto
Por Patrícia Fachin e Leslie Chaves,
Do IHU On-line



O clima de guerra contra a Dengue, Chikungunia e Zika Vírus no país não tem tem sido efetivo nos programas de controle do mosquito vetor dessas doenças. Essa é a opinião da pesquisadora e professora Lia Giraldo da Silva Augusto.

Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, a pesquisadora, que atua principalmente na área da saúde coletiva, ressalta que a ideia da guerra abre portas para um “vale tudo” no combate ao mosquito, como o uso de venenos como o Malathion, nocivo aos seres humanos e ao meio ambiente como um todo. Por outro lado, “a linguagem bélica mobilizada para o controle vetorial também precisa sofrer transformações, pois o conceito até hoje utilizado é de que o mosquito é ‘o inimigo’. Quando nós humanos, é que criamos política, econômica e socialmente as condições para que ele, com sua robustez biológica, tenha sucesso em sua procriação”, analisa a pesquisadora.

Lia Giraldo da Silva Augusto ressalta ainda que “é fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito comprova a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti”.

Foto: Prefeitura de Caldas Novas


Segundo a professora, há meios e abordagens alternativos para modificar as condições que possibilitam a existência dos criadouros do mosquito, os quais não colocariam a população e o ambiente em risco, porém seria necessária uma mudança drástica na mentalidade que embasa o planejamento das ações e a integração entre diferentes instituições e a comunidade. “A população precisa ter um envolvimento proativo e promover cuidados com base em esclarecimentos honestos sobre as razões pelas quais essas epidemias ocorrem. Colocar a vítima como responsável pelo mal não tem dado certo também. Se houver esforço governamental para o saneamento e limpeza pública e a população tiver sua cidadania respeitada, ao ser chamada para proteger seu ambiente e a potabilidade da água de beber, em condições reais de fazê-lo, teremos uma transformação”, aponta.

Lia Giraldo da Silva Augusto é graduada em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), mestra em Clínica Médica e doutora em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fez especializações em pediatria, Saúde Pública, Medicina do Trabalho, Epidemiologia e Psicanálise. Atualmente é professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE) e pesquisadora aposentada da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde continua integrando o quadro permanente de docentes.

Ela é professora associada na Universidade Andina Simón Bolívar – Quito, Equador. Também trabalha em diversas frentes pelo campo da saúde coletiva, como o Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Campanha Permanente de Combate aos agrotóxicos e pela vida e Fórum Pernambucano de Combate aos efeitos dos agrotóxicos.

IHU On-Line – Quais são os órgãos responsáveis por investigar os casos de dengue e zika vírus no país? Que informações os órgãos responsáveis têm sobre a proliferação dessas doenças no Brasil, tanto no que diz respeito a como foram introduzidas no país, quanto acerca dos sintomas e tratamentos?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Todos os serviços de saúde devem estar envolvidos na notificação e investigação de viroses ou qualquer doença infecciosa. As doenças de notificação compulsória, especialmente para estas, há uma estrutura de vigilância normatizada em um sistema nos três níveis do governo: Federal, Estadual e Municipal que devem monitorar e esclarecer situações relativas ao diagnóstico diferencial, tratamento e seu comportamento na população. Também são responsáveis por definir quando um agravo é endêmico ou epidêmico.

A determinação de como um vírus entra e se dispersa em um país é, pois, função desse sistema, que precisa estar bem integrado ao de assistência à saúde (pública e privada) para detectar os casos iniciais e depois monitorar a incidência nos aspectos relacionados aos contextos e as particularidades individuais das pessoas acometidas. Assim, o raciocínio epidemiológico se estabelece e torna-se possível o planejamento das ações de prevenção e controle.

Quanto a Dengue, sua entrada no Brasil tem registro desde 1779. Até a década de 1960 a dengue era considerada uma doença benigna com baixíssimas sequelas e mortalidade. Muito se sabe sobre essa doença em nosso meio, embora o modelo de controle do vetor que a transmite não esteja sendo eficaz. As razões são bem claras, mas os órgãos internacionais e nacionais responsáveis pelo controle vetorial insistem em utilizar um modelo centrado no mosquito vetor mediante uso de produtos biocidas (químicos e biológicos). Entretanto, na verdade, esse modelo deveria ser centrado nas condições que possibilitam a procriação do mosquito, isto é, deveria ser direcionado ao saneamento ambiental, à oferta regular e contínua de água, à proteção da água de beber, e à limpeza mecânica do ambiente. Os métodos utilizados hoje, além de ineficazes são perigosos e os danos de seu uso na população não são monitorados.

Quanto ao vírus Zika ainda pouco se sabe, pois supostamente sua introdução deu-se em 2014 e inicialmente foi considerada uma espécie de Dengue branda. O diagnostico diferencial entre essas duas viroses não foi realizado e a dispersão da doença não foi monitorada. E também por esta razão que o tratamento do Zika e a conduta de seguimento dos casos foram considerados iguais aos da Dengue. Somente agora com a ocorrência de casos de microcefalia é que há uma preocupação maior.

IHU On-Line- Como se dá o diálogo entre órgãos brasileiros de diferentes áreas como do Meio Ambiente, do Saneamento Básico e da Saúde quando se trata de investigar e tentar solucionar os casos de epidemia de dengue e zika vírus no país?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Infelizmente as ações integradas entre os órgãos de saúde e aqueles afins relacionados aos territórios nos aspectos produtivos, de ocupação do solo, ambientais e sociais não ocorrem devidamente. O caso das doenças transmitidas por vetores é um bom exemplo. Lembramos que o componente saneamento desapareceu dos programas de controle de dengue desde a formulação da segunda edição do Programa de Erradicação do Aedes aegypti e que depois foi substituído pelo Plano Nacional de Controle da Dengue. Temos a má notícia que o Plano Nacional de Saneamento sofrerá um atraso de mais de 20 anos.

IHU On-Line- Como explica a epidemia de microcefalia no país, com mais de 3.500 casos registrados? Por que se chegou a esse estágio? Há relações entre as doenças vetoriais e os casos de microcefalia? Pesquisas estão sendo realizadas no país para confirmar essa relação direta?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Estamos falando dessas cifras em termos de casos suspeitos. Nos primeiros 600 casos suspeitos e confirmados na região metropolitana de Recife sua distribuição geográfica mostrou maior concentração nas áreas mais pobres e mais carentes, onde há intermitência no fornecimento da água e envenenamento com uso de produtos larvicidas.

Há uma série de contingências que precisam entrar na avaliação da relação vírus-vetor-doença, pois a pergunta deve ser relacionada à que condições e como se dá a presença de criadouros que possibilitam condições ótimas para a procriação do Aedes aegypti. Uma relação direta é falaciosa, na medida em que se trata de uma doença cuja determinação é complexa. O Brasil desde a década de 50 transformou-se rapidamente de um país rural para urbano, com grandes bolsões de pobreza, habitações e saneamento precários na periferia da maioria das cidades.

IHU On-Line – Quais são as dificuldades em relação ao tratamento clínico epidemiológico de doenças como dengue, zika e chikungunia?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Do ponto de vista epidemiológico e sanitário, estão em jogo três ecologias que são interdependentes: a dos vírus, a do vetor e a dos humanos, e estas precisam ser abordadas conjuntamente. Do ponto de vista clínico, uma virose, como a dengue, que antes era benigna e que vem apresentando quadros clínicos com complicações cujas razões ainda não estão bem esclarecidas; o sistema imune das populações pode estar afetado por questões ambientais e alimentares. Entre essas variáveis, podemos levantar a hipótese de que o uso intensivo de inseticidas nos ambientes domésticos e o uso de larvicidas na água de beber dessas pessoas também podem fazer parte dessa vulnerabilidade. Sobre isto, pouco sabemos, pois não se fazem estudos para avaliar os danos do modelo de controle vetorial sobre a saúde das populações expostas ao uso desses produtos químicos, por exemplo do Malathion, que é um potencial cancerígeno.

A quantidade de vacinas que as pessoas estão expostas precisa também ser investigada, tal como a H1N1, inclusive aplicada em gestantes, pode acarretar a Síndrome de Guillain-Barré. Todas essas contingências interatuando podem estar na determinação de uma doença que tem um componente social também muito evidente. São os mais pobres os mais atingidos. Eu resumiria que a dificuldade surge primeiramente pela forma causalista de se estudar essas doenças dentro de uma linearidade entre causa-efeito, desconsiderando-se o contexto.

IHU On-Line – Como a epidemia de microcefalia tem sido tratada pelo Ministério da Saúde?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Em âmbito coletivo, tem sido tratada no aspecto da prevenção. Ao fazer a relação com a transmissão vetorial, foi escolhido o mesmo modelo para o controle do Aedes aegypti, não eficaz e perigoso, e se intensificado essa prática.

Faz 40 anos que foi introduzido larvicida na água de beber para controle vetorial aqui no país e há 30 anos a nebulização com inseticidas é realizada. Esse modelo não impediu a difusão do mosquito, a entrada de novos sorotipos de Dengue e de outros vírus diferentes, tão pouco o agravamento da Dengue, que antes era benigna e hoje apresenta uma frequência alta de sérias complicações clínicas.

No centro da conduta, o Ministério da Saúde utiliza a mesma abordagem que já se mostrou inócua. Continua centrando a ação no mosquito e não nas condições que possibilitam os criadouros, que precisam sim ser eliminados, mas não a custa do envenenamento da população, mas por medidas saneamento, limpeza mecânica e garantia de acesso à água e proteção de sua potabilidade. Água com larva ou veneno não é potável e, portanto, não indicada para o consumo. Não é possível aceitar a ocultação do risco do uso de venenos nos domicílios e peridomicílios para o controle vetorial.

IHU On-Line – Como o Brasil tem enfrentado os casos de doenças vetoriais? Em contrapartida ao que vem sendo feito atualmente, o que seria um conjunto de ações transformadoras para enfrentar a raiz desse problema e combater, de fato, as doenças vetoriais? Em que deveria consistir uma revisão do modelo de controle vetorial que vem sendo aplicado no país?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Bem, como já mencionei, a orientação deveria ser para ações no ambiente onde vivem, moram e trabalham as pessoas, mediante ações intersetoriais de limpeza urbana, saneamento e medidas de garantia de acesso e proteção da água de beber, que deve ter sua potabilidade preservada. O problema dessas viroses não pode ser exclusivo do Ministério da Saúde.

Lembramos que o componente da primeira versão do Programa de Erradicação do Aedes aegypti desapareceu e nunca mais foi retomado. Enquanto o modelo do Ministério da Saúde for centrado na eliminação do vetor mediante uso de biocidas (químicos ou biológicos) continuaremos a sofrer desses males.

A Atenção Básica à Saúde é fundamental, bem como as escolas nessa conscientização. A população precisa ter um envolvimento proativo e promover cuidados com base em esclarecimentos honestos sobre as razões pelas quais essas epidemias ocorrem. Colocar a vítima como responsável pelo mal não tem dado certo também. Se houver esforço governamental para o saneamento e limpeza pública e a população tiver sua cidadania respeitada, ao ser chamada para proteger seu ambiente e a potabilidade da água de beber, em condições reais de fazê-lo, teremos uma transformação.

A linguagem bélica mobilizada para o controle vetorial também precisa sofrer transformações, pois o conceito até hoje utilizado é de que o mosquito é “o inimigo”. Quando nós humanos, é que criamos política, econômica e socialmente as condições para que ele, com sua robustez biológica, tenha sucesso em sua procriação.

IHU On-Line – Quais são os Estados com maior foco de dengue, zika vírus e casos de microcefalia?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Inicialmente os Estados afetados foram do Nordeste (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Bahia), mas neste momento já estão sendo registrados em outros Estados do Sudeste e a tendência é a sua dispersão. É muito dinâmico este quadro epidemiológico, mas vimos claramente no Nordeste que a maior concentração de casos suspeitos e confirmados está nas regiões metropolitanas das capitais nordestinas acima citadas.

IHU On-Line – Como avalia a Nota Técnica N.º 109/ 2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS de Combate à Dengue? O que ela informa sobre o modo como o Ministério da Saúde está tratando o combate ao Aedes Aegypti?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Aqui vou me valer da análise realizada pelos Grupos Técnicos de Saúde do Trabalhador, de Vigilância Sanitária, de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável, de Educação Popular e Saúde, e de Saúde e Ambiente da Abrasco, do qual eu faço parte. Nessa avaliação, mostra-se que a Nota Técnica nº 109/2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS de Combate à dengue ilustra bem os vários absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o Ministério da Saúde insiste em manter e ampliar. Mas também há outra Nota Técnica, a de nº 118/2010, que precisa ser analisada em conjunto, pois propõe um indicador ambiental apenas para a “delimitação das áreas que necessitam de maior intensificação das ações do combate ao vetor”.

A NT 109/2010 informa ainda, que “as ações de controle larvário a serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser “tratada” com veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida. Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os mais protegidos são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário.

Desse modo, prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito. Ainda na NT 109/2010 o Ministério da Saúde advoga que o sucesso do controle de doenças transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando cita como referência para sua justificativa nesse documento o trabalho “Pesticides in the Diets of Infants and Children” (Washington: National Academy Press, 1993). Ressaltamos que o Ministério da Saúde é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar pelo princípio da precaução quando coloca o tema relacionado às exposições humanas a produtos químicos perigosos.

Também nessa Nota Técnica se lê que em razão do crescente agravamento do processo de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões do Comitê de Especialistas em Praguicidas da Organização Mundial da Saúde (Whopes/OMS) é encontrar novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito comprova a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.

Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas ações utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele país. Por que não analisar nossas próprias experiências? Afinal temos um tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são edificantes?

IHU On-Line – Por que o Brasil aposta no controle do Aedes Aegypti através do uso de inseticidas como o Malathion? Esse tipo de produto causa riscos à saúde? Fala-se que os inseticidas estão contaminando a água. Estudos estão sendo feitos a esse respeito?

Lia Giraldo da Silva Augusto – O controle vetorial nos países signatários das Nações Unidas segue protocolos da OMS e da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, que tem um Fundo Rotatório para a compra de venenos. Os países pobres, de modo geral, seguem esse plano acriticamente. É um contrassenso a saúde pública se valer de produtos tóxicos para a população, quando outros meios existem. O Malathion é um desses absurdos, pois ele é classificado pela própria OMS como potencialmente cancerígeno para humanos, mas isto se quer é levado em consideração. Ao contrário esse risco é ocultado. A população não é monitorada quanto a esses efeitos.

O uso de larvicidas na água é a mesma coisa. Por exemplo, o que tem sido usado atualmente, o Pyriproxyfen, tem efeitos teratogênicos no mosquito e retarda o seu desenvolvimento, esse mecanismo de ação em um ser vivo merece cautela para exposição humana também, no entanto não se fazem estudos. Há um esforço “de guerra” no “combate” ao vetor e isto oculta os demais riscos. Esta mentalidade ou estratégia bélica, que se traduz em uma linguagem autoritária e em um modelo vertical de controle, também precisa ser mudada.

IHU On-Line – Caso os inseticidas fossem suspensos, que outros métodos poderiam ser usados para eliminar os focos de Aedes Aegypti?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Métodos mecânicos de limpeza e de proteção da água de beber.

IHU On-Line – Há informações de que em 2014 o Brasil registrou um milhão e 500 mil casos de Dengue. Qual é o significado desse dado?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Significa a degradação ambiental e a enorme desigualdade social.

IHU On-Line – Quais são as questões que precisam ser esclarecidas e levadas em conta quando se trata de analisar os casos de Dengue, Zika Vírus e microcefalia no Brasil?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Como já mencionei, é necessário que se conheça as três ecologias que estão em interação: a do vírus, a do vetor e dos humanos. Nessa compreensão, novas questões irão orientar novos estudos, que possam fornecer respostas integradas e interdisciplinares a esse problema que é complexo, e não soluções pontuais que não dialogam com a problemática.

IHU On-Line – O que caracteriza o Estado de Emergência Sanitária?

Lia Giraldo da Silva Augusto – De maneira sintética, podemos dizer que nos casos de grande incidência de uma doença, se pode considerar um estado emergencial para a saúde pública. No entanto, é mais aplicado em doenças transmissíveis, em situação de epidemia. Geralmente quando a doença afeta a sociedade como um todo, traz graves consequências sociais, econômicas e de sofrimento humano, e o controle da situação não depende apenas de ações localizadas. Raramente é decretada, quando o é, possibilita inclusive “leis de exceção” para a saúde pública, como a intensificação de uso de produtos tóxicos; vacinação em massa, muitas vezes ainda em fase experimental, ou até a entrada forçada nos domicílios, como uma estratégia de guerra.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Lia Giraldo da Silva Augusto – Gostaria de ressaltar que no combate a doenças transmitidas por vetores, a saúde pública está carente, não apenas em tecnologia, mas em termos de abordagem integrada e participativa. Enquanto permanecer esse modelo simplista, vertical, autoritário e perigoso, vamos ter resultados pífios e mentirosos, como, por exemplo, dizer que os ajustes no modelo de controle vetorial foram um sucesso, quando, na verdade, estamos no período de silêncio imunológico, que ocorre logo após um surto epidêmico, onde a maior parte da população exposta ao vírus ficou vacinada naturalmente. Vi isto acontecer na vigência do Programa Nacional de Controle da Dengue mais de uma vez e em governos diferentes.

Nota técnica da Abrasco sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: reflexões, críticas e propostas

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Já leu100%


Em longo texto, sanitaristas e pesquisadores da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) fazem uma análise crítica do contexto de surgimento da epidemia de microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti, das estratégias adotadas pelo Ministério da Saúde, com foco no mosquito e não nos criadouros, da falta de preparo para o manejo clínico e epidemiológico de chikungunya e zika, da falta de foco no saneamento básico e da adoção do modelo químico no combate vetorial, com uso de larvicidas e da nebulização (fumacê), que têm efeitos danosos sobre a saúde humana.


Leia a íntegra abaixo, ou site da Abrasco.



Nota técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti


Nós, sanitaristas e pesquisadores da Saúde Coletiva que atuamos no GTs de Saúde e Ambiente, de Saúde do Trabalhador, de Vigilância Sanitária e de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), vimos a público porque temos o dever de elaborar reflexões, questionamentos e fazer proposições que possam orientar as políticas públicas na intervenção preventiva frente às epidemias de microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti. Dentre os eventos sanitários clinicamente visíveis, as problemáticas relacionadas às doenças vetoriais surgem como um dos mais importantes eventos sanitários pós-Segunda Guerra Mundial.


Como se sabe, foi decisão do Ministério da Saúde (MS) imputar a associação da epidemia de microcefalia à infecção materno-fetal pelo vírus da Zika, supostamente introduzido no Brasil em 2014, no Nordeste brasileiro. Diante da inusitada incidência foi determinado o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, desencadeando a intensificação do controle vetorial do Aedes aegypti, dentro da mesma abordagem utilizada para Dengue, que há cerca 40 anos é realizada sem efetividade para os objetivos pretendidos.



Contexto do surgimento da epidemia


O quadro sanitário no qual emerge a epidemia de microcefalia deve ser analisado considerando-se os graves problemas que estão presentes na realidade socioambiental em que ocorreram os casos e no modelo operacional de controle vetorial. A distribuição espacial por local de moradia das mães dos recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior nas áreas mais pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado, com provimento de água de forma intermitente, fato que leva essas populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito favorável para a reprodução do Aedes aegypti, constituindo-se em “criadouros” que não deveriam existir, e que são passíveis de eliminação mecânica.


Alguns fatos que ainda precisam ser questionados e investigados podem justificar a introdução e a disseminação do vírus Zika. É necessário avaliar quais contextos e contingências existiram e aconteceram em 2014 nos locais de aparecimento dos casos de microcefalia. Podemos aventar alguns por saltarem aos olhos, como:


1) Na região Nordeste, em especial na periferia das suas Regiões Metropolitanas, como a de Recife, pode ter havido aumento da degradação ambiental, por existirem nelas todas as condições para a manutenção da alta densidade do Aedes aegypti, pelos baixos indicadores de saneamento ambiental, relacionados ao abastecimento de água, ao esgotamento sanitário, à imensa presença de resíduos sólidos junto aos domicílios e às deficiências de drenagem de águas pluviais. A propósito desta questão, a Revista RADIS Comunicação e Saúde da Fiocruz (n.154, julho 2015) traz uma esclarecedora matéria sobre saneamento ambiental mostrando sua defasagem e os graves problemas ainda não solucionados, o que se agrava pelos indícios de que haverá um retardo de anos no Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSA) com o ajuste fiscal.[1]


2) A utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber dessas famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do número de casos de doenças provocadas por arbovírus. Em 2014 foi introduzido na água de beber das populações nos domicílios e nas vias públicas um novo larvicida o Pyriproxyfen. Conforme orientação técnica do MS[2] esse larvicida é um análogo do hormônio juvenil ou juvenoide, tendo como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento das características adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos e genitália externa), mantendo-o com aspecto “imaturo” (ninfa ou larva), quer dizer age por desregulação endócrina e é teratogênico e inibe a formação do inseto adulto.


3) A intensificação de processos migratórios pela atração de grandes empreendimentos, cujos trabalhadores passam a viver em condições sanitárias precárias nas periferias dos polos industriais (como o de Suape-PE, com trabalhadores vindos de outras regiões e estados do país e de Pecém-CE, com a presença de milhares de coreanos);


4) A Copa do Mundo de 2014, evento de massa de grande porte, teve uma subsede em Recife (Arena Pernambuco). Instalada no município de São Lourenço da Mata (IDH de 0,614), está em uma região com precárias condições sanitárias. Foi observada a maior concentração dos casos de microcefalia inicialmente notificados (600 casos suspeitos) nessas áreas;


5) Fragilidade da vigilância epidemiológica dos municípios e dos estados no diagnóstico diferencial, na investigação de arboviroses e na diferenciação entomológica;


6) As dificuldades na condução da vigilância da Zika e Chinkungunya, ao tratá-las como “dengue branda”. Frise-se que a capacidade vetorial do Aedes aegypti para transmitir o vírus da Zyka e Chikungunya em nosso meio ainda não está devidamente estudada nem pelos entomologistas em nossos contextos socioambientais. Daí caber indagações: o que fez os casos de dengue se tornar mais graves, se antes era considerada doença benigna desde 1779 até 1950, sem provocar sequela e sem alterações hematológicas, conforme dados da OMS? Como está o sistema imunológico da população diante do modelo químico de controle vetorial e adotadas pelo MS em curso no País há cerca de 30 anos?


As estratégias adotadas pelo MS


Apesar das razões e incertezas que estão na determinação da ocorrência da epidemia de microcefalia, o caminho para o que se chama de “enfrentamento” foi o de intensificar o “combate” ao mosquito pela repetição do que vem sendo adotado há mais de 40 anos sem sucesso. Chamamos a atenção da sociedade para esta questão. Por quais razões, apesar de todos os indicadores de ineficácia, o MS continua a utilizar a mesma abordagem para o controle do mosquito transmissor do vírus da dengue, doença cuja transmissão depende também de outros elementos? Mesmo desencadeando diversas capacitações para os profissionais de saúde e trabalhando em salas de situação para aprimorar o diagnóstico e a notificação de casos das novas doenças virais; permanece sem integração as ações das Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e a Promoção da Saúde. O problema que queremos destacar nesta Nota Técnica de alerta está na essência do modelo de controle vetorial, haja vista a intensificação do uso de larvicidas e adulticidas para o Aedes aegypti, sendo que segundo as orientações adotadas pelo MS desde 2014, retrocede-se à orientação de utilização da técnica Ultra Baixo Volume (UBV)[3] com Malathion a 30% diluído em água, abrangendo todo território nacional.


É preciso também problematizar o uso de produtos químicos numa escala que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioambientais de pessoas e comunidades. O consumo de tais substâncias pela Saúde Pública só interessa aos seus produtores e comerciantes desses venenos. São insumos produzidos por um cartel de negócios muito lucrativo, que atua em todo o mundo e que, mesmo com evidências dos riscos provocados pelos organofosforados e piretroides, dos quais se conhecem tantos efeitos deletérios, têm tido o apoio de agências internacionais de Saúde Pública, como o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma simples consulta às fichas de segurança química de tais produtos entregues pelas empresas aos órgãos de Saúde Pública mostra que esses produtos, a exemplo do Malathion, são neurotóxicos para o sistema nervoso central e periférico, além de provocarem náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e sintomas de fraqueza muscular, inclusive nas concentrações utilizadas no controle vetorial. Quanto à toxicidade ambiental é recomendado evitar seu uso no meio ambiente, o que não tem sido observado, pois seu lançamento é feito da forma como aqui denunciamos. Tais agências se constituem em instâncias de decisão para a compra e distribuição de venenos para todos os países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU). Os fornecedores são os mesmos cartéis de empresas produtoras de agrotóxicos que operam na agricultura, tornando-a também tóxica e químico-dependente. Esse modelo, pós-II Guerra Mundial, destacamos, impôs-se também para o controle das doenças vetoriais em Saúde Pública.


As tecnologias de controle químico dos vetores foram introduzidas amplamente no Brasil a partir de 1968, não se podendo desconsiderar que sua origem deve-se às armas químicas de destruição em massa, amplamente utilizadas pelo exército norte-americano, naquela época, na guerra do Vietnã. A adoção da técnica de tratamento por UBV foi uma prática introduzida nesse mesmo período e, não por acaso, um dos primeiros documentos de sua normatização foi elaborado pelo Exército Americano[4].


Essa mesma lógica já está adotada para oferecer a solução mediante a transgenia e outras biotecnologias imprecisas, duvidosas e perigosas para os ecossistemas, focando a ação apenas no mosquito, sem levar em conta os efeitos em organismos não-alvo. Atenção deve ser dada a empresa inglesa Oxitec nas pesquisas e comercialização do mosquito transgênico, cuja fábrica foi implantada em Campinas-SP em 2013 e que, em 2014, obteve a autorização da CTNBio para comercialização desse Organismo Geneticamente Modificado (OGM), e sobre essa questão a Abrasco publicou Nota Técnica[5].



O foco no mosquito e as consequências para a saúde humana


O lado invisível dos danos ao ambiente e à saúde humana, decorrentes do uso de produtos químicos no controle vetorial, ainda não foi devidamente estudado ou revelado às populações vulneráveis, incluindo os trabalhadores de Saúde Pública. Seus efeitos nocivos são totalmente desconsiderados tanto no agravamento das viroses, quanto no surgimento de outras patologias tais como: alergias, imunotoxicidade, câncer, distúrbios hormonais, neurotoxicidade, dentre outras.


Frisamos o simplismo no trato da questão por parte do MS que reduz a causalidade da Dengue, da Zika e da Chicungunya, centrando as ações na tentativa de eliminar ou reduzir o vetor, o que deve ser substituído, insistimos, pela ação de medidas de cunho intersetoriais para intervir no contexto socioeconômico e ambiental. Visando eliminar o mosquito a ação orientada pelo MS acaba, também, envenenando seres humanos. Mas isto não é reconhecido: ao contrário, há uma ocultação desses perigos. As vozes oficiais repetem até tornar verdadeiros diversos absurdos como: “As doses de larvicidas são tão baixas e pouco tóxicas que podemos colocar na água de beber, sem perigo”[6].


Este despreparo também leva a defender que a epidemia é um problema de Saúde Pública que justifica o uso do fumacê, mesmo com produtos químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para os seres humanos[7].


Assim, na tentativa de eliminar o mosquito estão sendo atingidos os humanos mediante efeitos agudos (de morbimortalidade) e de morte lenta, gradual, invisível e que é ocultada. Além das doenças agudas, as crônicas causadas por tais produtos aparecem em médio e longo prazos, a maioria delas chamadas “idiopáticas”, isto é, de causa indefinida ou desconhecida, que não são diagnosticadas ou sequer investigadas.


Ocorre que em pleno século XXI, no caso das doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, houve mais um complicador em termos de Saúde Pública, pois dois novos vírus entraram em nosso país, para cujas doenças – Chikungunya e Zika – não havia experiência no manejo clínico e nem epidemiológico.


A dengue e o sistema de vigilância epidemiológica


O sistema de vigilância epidemiológica da maioria dos serviços de saúde não investigou adequadamente esta nova realidade. Agora, com a tragédia do surgimento dos casos de microcefalia, revela-se este despreparo técnico-gerencial. Historicamente essas questões de Saúde Pública estão imersas em razões de Estado, desconhecidas pela maioria da sociedade. Devemos perguntar: que razões são essas? Para tal basta examinar os documentos oficiais do MS sobre controle vetorial.


Neste sentido, é pedagógico examinarmos os documentos orientadores emanados do MS. É o caso, por exemplo, da NOTA TÉCNICA N.º 109/2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS[8] de COMBATE à DENGUE, na qual estão bem ilustrados os equívocos que aqui sinalizamos, ou seja, a intensificação do uso da UBV motorizada e costal nos domicílios e nas vias públicas. Nela se reiteram os vários absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o MS insiste em manter e ampliar.


O envenenamento da população pobre


No Brasil, a dengue tornou-se doença endêmica com surtos epidêmicos e isso precisa ser assumido de uma vez por todas. Quais são as áreas específicas de maior circulação viral? Justamente aquelas onde habitam as populações mais pobres, que tem piores condições imunológicas e sem saneamento adequado, o que vai se agravar conforme notícias do jornal Folha de S. Paulo, edição de 11-01-2016. E por que não se divulgam essas vulnerabilidades para a própria população? A referida Nota Técnica faz menção a outra, de nº 118/2010, que formula um parâmetro composto, com o que se busca introduzir indicadores ambientais[9].


Ocorre que o faz apenas para a “delimitação das áreas que necessitam de maior intensificação das ações do combate ao vetor”. Ou seja, a aplicação de veneno (inseticidas e larvicidas) acaba aumentando a nocividade sobre o sistema imune.


A NT 109/2010 informa, ainda, que “as ações de controle larvário a serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser tratada com veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida. Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os mais protegidos e são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário. Prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito.


Ainda na NT 109/2010 o MS advoga que o sucesso do controle de doenças transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando cita como referência para sua justificativa nesse documento a “National Academy of Sciences, National Research Council. Pesticides in the Diets of Infants and Children. National Academy Press, Washington”. Ressaltamos que o MS é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar pelo princípio da precaução quando se coloca o tema relacionado às exposições humanas a produtos químicos perigosos.


Também nela se lê que em razão do crescente agravamento do processo de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões do Comitê de Especialistas em Praguicidas da OMS (WHOPES) é encontrar novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito está a demonstrar a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.


Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas medidas utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele país. Por que não analisar nossas próprias experiências, afinal temos um tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são edificantes?


Mais venenos, mais resistência, mais venenos


É utilizado o exemplo do inseticida organofosforado Temephós (conhecido comercialmente como ABATE®), a 1%, introduzido no Brasil em 1968, como larvicida em água potável especialmente no Norte e Nordeste brasileiro, cujos impactos na saúde das populações não foram estudados. Sabemos que apesar da constatação da resistência do mosquito o MS continuou a utilizá-lo até o esgotamento de seu estoque, a despeito de ter sido demonstrado a resistência nos insetos alvo e a farta informação toxicológica dos potenciais riscos para a saúde humana.


A continuidade da adição de outros larvicidas substitutos na água de beber das pessoas se dá até hoje sem qualquer preocupação sobre sua concentração final, pois por orientação das normas do MS é indicada a diluição dos larvicidas apenas considerando o volume físico do recipiente e não pela quantidade interna de água no recipiente. Em 1998, um alerta formal sobre esse erro de diluição foi feito por químicos, médicos e engenheiros sanitaristas reconhecidos, mas nada mudou! Teimosamente, até hoje os documentos oficiais do MS recomendam a adição do larvicida nas caixas d’água considerando apenas o volume físico e não a quantidade de água que de fato existe em seu interior.


Um fato agravante é que em Pernambuco e outras regiões do Nordeste há racionamento frequente de água. Diante disso, cabe indagar: há quanto tempo o povo dessas regiões bebe água envenenada? De forma não cuidadosa e com falta de precaução, a introdução dos larvicidas classificados como reguladores de crescimento de insetos (IGR) dá-se mediante Notas Técnicas ainda mais abusivas no que se refere a “despotabilização” da água de beber.


Entendemos que aqui está a chave mestra para discutir por que o MS admite e defende esse modelo. Por trás disso estão OMS e Opas com o peso institucional de seus comitês de pesticidas que não dialogam com os comitês ambiental, de saneamento e de promoção da saúde. Naqueles comitês internacionais, os que fazem a prescrição do uso e a regulação da compra dos insumos de controle vetorial para o mundo são imperiais. São tais organismos que convencem e dão o aval aos processos licitatórios dos governos nacionais.


Os larvicidas reguladores de crescimento como o Diflubenzuron e Novaluron, introduzidos no lugar do Temephós, mostram-se problemáticos. Em Recife, foi realizado estudo de efeito sobre a saúde dos trabalhadores que os aplicam constatou-se a ocorrência de metahemoglobinemia; também se sabe que seus metabólitos têm diversos efeitos tóxicos, e que não são considerados. Tais resultados foram amplamente divulgados no II Seminário da Rede Dengue da Fiocruz em novembro de 2010, na cidade do Rio de Janeiro; no Primeiro Simpósio de Saúde e Ambiente em 2010, realizado na cidade de Belém e no 10º. Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em 2012, na cidade de Porto Alegre.


Com sua política centralizadora, os setores do MS responsáveis pelo controle vetorial contraindicam que os municípios adotem outros meios independentes do uso químico. Mesmo diante da constatação da ineficácia do modelo utilizado. Os municípios gastam inutilmente seus parcos recursos em produtos químicos perigosos e fazem os trabalhadores da saúde atuarem apenas nesse ponto, expondo-os ainda aos venenos.


Insistindo nessa estratégia, houve, em 2014, a introdução do larvicida Pyriproxyfen, e mesmo sabendo-se de sua toxicidade como teratogênico e de desregulação endócrina para o mosquito, foi considerado de baixa toxicidade. E, mais uma vez, o MS recomenda o seu uso em água potável, para ser adicionado nos reservatórios e caixas de água, independentemente da quantidade de água no seu interior, tornando a concentração mais elevada quando em situações de racionamento de água[10][11].


Diante de produtos que têm efeito teratogênico em artrópodes, o que pelas normatizações para registro de agrotóxicos seria vedado seu uso na agricultura, por razões de segurança alimentar, perguntamos como aceitar o uso em água potável destinado ao consumo humano? O que dizer desse uso em um contexto epidêmico de má formação fetal? No estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recentemente decretado pelo MS, conforme noticia a grande mídia, está sendo preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas que distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste. Alertamos que essa é a mais recente medida sanitária absurda e imprudente imposta pelos gestores do modelo químico de controle vetorial.


Embora a NT 109/2010 reconheça que “A inserção de ações intersetoriais, tais como o abastecimento regular de água e coleta de resíduos sólidos, constitui-se em uma atividade fundamental para impactar na redução da densidade do vetor Aedes aegypti”, pouco se propõe nesse sentido. Insistimos na pergunta: por que é mantido o controle vetorial centrado em um programa que há mais de 40 anos vem mostrando ineficácia e ineficiência para fazê-lo? Impõe-se, pois, uma estratégia centrada na identificação e eliminação dos criadouros e no Saneamento Ambiental. O que de fato está sendo feito para o abastecimento regular de água nas periferias das cidades? Como as pessoas podem proteger as águas reservadas para consumo? Por que apesar de muitas cidades terem coleta de lixo regular ainda se observa uma quantidade enorme de resíduos sólidos diariamente dispostos no ambiente? O que está sendo feito para cuidar desta questão? E a drenagem urbana de águas pluviais? E o esgotamento sanitário?


Merece ainda destaque a NT 109/2010, quando afirma que “o maior problema reside nos “adulticidas espacial e residual”, lamentando que os venenos disponíveis estejam restritos apenas aos “grupos dos organofosforados e piretróides. Nos organofosforados a oferta restringe-se ao Malathion (espacial) e o Fenitrothion (residual)”. Esclarecemos que a menção ao termo “espacial” se refere a uso em nebulizadores (Ultra Baixo Volume – UBV, conhecido como fumacê, ou por equipamento costal). Dos venenos acima referidos, sabe-se, como já dito, que o Malathion é um potente cancerígeno para animais e, recentemente, foi reconhecido como potencialmente cancerígeno para humanos pela IARC da OMS[12]. Vale o destaque, de que diversos produtos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypty como o Fenitrothion, Malathion e Temephós vem sendo estudados desde 1998, no Departamento de Química Fundamental da UFPE e mostram ter efeitos potencialmente carcinogênicos para humanos. As recomendações pelo MS do uso de Malathion encontram-se no documento Recomendações sobre o uso de Malathion Emulsão Aquosa-EA 44% para o controle de Aedes aegypti em aplicações espaciais a Ultra Baixo Volume UBV, de 2014[13]. Com a adoção dessas nebulizações o envenenamento é potencialmente, ainda mais amplo e perigoso.


Sem trocadilhos, chega-se assim, ao fundo do poço, em termos de falta de compreensão dos processos de determinação socioambiental e de cuidados na prevenção das doenças relacionadas aos vetores, aos quais se somam os interesses nacionais e internacionais estranhos às questões de saúde públicas e relacionadas às agendas de consumo dos agrotóxicos.

Onde fica o saneamento ambiental?


Uma pergunta que não quer calar precisa ser aqui posta com total indignação: por que não foram priorizadas até agora as ações de saneamento ambiental, estratégia que parece ficar ainda mais distante?


A propósito, se visitarmos as periferias das grandes cidades e as chamadas zonas especiais socialmente vulneráveis, onde as carências são de toda ordem, ver-se-á um quadro sanitário tão grave que nenhuma quantidade de veneno poderá resolver o controle vetorial, ao que acresce o fato de que as pessoas terão sua saúde gravemente comprometida.


As políticas urbanas e de saneamento são, em geral, desarticuladas. As precárias condições de moradia, de urbanização e de saneamento ambiental, contexto característico da grande maioria dos casos de microcefalia, refletem um modelo de desenvolvimento e de políticas urbanas que atinge aos pobres, já vulnerabilizados historicamente pela abissal desigualdade social brasileira. Habitações sem condições para adequado armazenamento de água domiciliar, localizadas em áreas íngremes ou alagadas, com precária infraestrutura e urbanização e com serviços de saneamento precários. Um contexto que reflete a mazela social que destina melhor infraestrutura e melhores serviços para as classes média e alta. O exemplo da desigualdade no acesso à água potável no Brasil é emblemático dessa assimetria de acesso. O consumo per capita pode variar em uma cidade de 30 a 500 litros/dia por habitante. Uma das expressões dessa desigualdade é no rodízio semanal do acesso ou na intermitência do abastecimento de água. A grande maioria de casos de microcefalia ocorreu em cidades com problemas sérios de rodízios ou intermitência, onde os mais pobres ficam mais dias sem água por semana e os mais ricos ou não tem rodízio ou intermitência ou os tem por poucos dias. A crise hídrica e a má gestão dos serviços de saneamento também têm imposto o rodízio ou intermitência a cidades inteiras, e mesmo o colapso no abastecimento, cenário de muitos casos de microcefalia no Nordeste.


Diante da inoperância dos métodos de controle do Aedes aegypti, a gravidade da situação se aprofunda. Em Pernambuco a Secretaria de Estado da Saúde (SES) notificou ao MS, em 28 de outubro de 2015, a existência de 29 casos de microcefalia naquele ano, até então mais do que o dobro do que vinha ocorrendo nos anos anteriores. Destaca-se que apenas sete estados tinham a prática de notificação obrigatória de má-formação congênita. Em dezembro de 2015 constatava-se que 14 estados estavam com prevalência de microcefalia elevada. A proporção de novos casos em Pernambuco tornou-se assustadora. No dia 18 de novembro de 2015, o MS decreta o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, situação que apenas fora adotada em 1917, com a ocorrência de Gripe Espanhola. Conforme noticiado pelo Diário de Pernambuco, em 20/01/2016, o número de casos suspeitos de microcefalia subiu para 3.893. Os registros foram feitos em 764 municípios, distribuídos em 21 unidades da federação. Até essa data, foram notificadas 49 mortes provocadas por essa má-formação. Do total desses óbitos, cinco tiveram confirmadas a presença do vírus Zika. Embora saibamos que, em uma situação de exposição materna ao vírus, e este ultrapassando a barreira placentária, é esperado que o feto também se exponha. Neste campo ainda há muitas questões em processo de pesquisa. Segundo informações do MS, Pernambuco continua a ser o Estado com o maior número de casos suspeitos (1.306), o que representa 33% do total registrado em todo o país[14].


Deve-se alertar e assinalar que a entrada no Brasil do vírus Zika não foi acompanhada de um conhecimento da sua dispersão pela vigilância epidemiológica e entomológica. Uma série de medidas, todas centradas na prática do uso de venenos foi intensificada, a partir da aceitação de relação direta entre microcefalia e Zika vírus. Como aditivo temos a recomendação para gestantes de uso de repelente[15]. Com isso o DEET (N,N-dimetil-meta-toluamida) vem sendo comercializado sem restrição para mulheres grávidas, outra banalização de exposição química[16].


O quadro de crise epidemiológica das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti é ainda mais grave e aqui é importante dizer que no Brasil, entre 2014 e 2015, ocorreram cerca de 1,5 milhão de casos, a metade no estado de São Paulo. Porque nesse estado, onde ocorrem periodicamente epidemias de Dengue, que anteriormente registrava pouquíssimos óbitos, e que, nesse período, houve inusitadamente mais de 400 mortes associadas a complicações de Dengue? Será que tal fato tem relação com a informação de que, em São Paulo, vem se intensificando o controle vetorial com uso de Malathion em nebulização química? Esse veneno é utilizado desde 2001, a 30% na formulação final, em processo de nebulização, pela Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), sendo que no segundo semestre de 2014, foi introduzida pelo MS uma nova formulação de Malathion diluído em água[17], contendo emulsificantes e estabelizantes não declarados. A justificativa dessa substituição foi o seu menor custo. Será que pode haver alguma associação entre a exposição ao Malathion e essa mortalidade considerada tão aumentada por complicações da Dengue? Quem são esses que morreram? São idosos, portadores de doenças crônicas, crianças? É preciso saber mais. A população exposta ao Malathion foi investigada? A possibilidade de essas mortes estarem associadas à exposição ao Malathion foi aventada e pesquisada? Salientamos que devido ao uso massivo e contínuo de substância tão tóxica essa investigação precisa ser realizada.


Finalizando, reivindicamos das autoridades competentes a adoção das medidas a seguir:


1) Imediata revisão do modelo de controle vetorial. O foco deve ser a ELIMINAÇÃO DO CRIADOURO e não o mosquito como centro da ação; com a suspensão do uso de produtos químicos e adoção de métodos mecânicos de limpeza e de saneamento ambiental. Nos reservatórios de água de beber utilizar medidas de limpeza e proteção da qualidade da água e garantia de sua potabilidade;


2) Nas campanhas de Saúde Pública para controle de Aedes aegypti, imediata suspensão do uso de Malathion ou qualquer outro organofosforado, carbamato, piretróide ou organopersistente, seja em nebulização aérea ou em cortinados tratados com veneno (mosquiteiros impregnados). Substituir o uso desses produtos por barreiras mecânicas, limpeza, aspiração, telagem de janelas, portas entre outras medidas;


3) Nas medidas adotadas pelo MS para controle de Aedes aegypti em suas formas larva e adulto,imediata suspensão do Pyriproxyfen (0,5 G) e de todos os inibidores de crescimento como o Diflubenzuron e o Novaluron, ou qualquer outro produto químico ou biológico em água potável. O conceito de potabilidade da água não pode ser perdido, ele é a chave para as medidas participativas de eliminação de vetores.


4) Que sejam realizados esforços intersetoriais para a acabar com a intermitência do abastecimento de água nas áreas de urbanização precária. Água é um direito humano. As populações mais vulneráveis devem, por equidade, serem as mais protegidas;


5) Que as ações de controle vetorial no ambiente seja uma atribuição dos órgãos de saneamento e de controle ambiental municipais, estaduais e nacional e não só do SUS, que deve atuar na vigilância entomológica, sanitária, ambiental, epidemiológica, virológica e da saúde do trabalhador, aferindo se as medidas de saneamento ambiental estão resultando em melhoria das condições de saúde;


6) Que as políticas urbanas e de saneamento ambiental promovam programas integrados para a resolução dos problemas de moradia, saneamento e urbanização;


7) Que a vigilância epidemiológica seja realizada por profissionais experientes em clínica, fisiopatologia e epidemiologia, em diversos níveis do SUS. Esta proposição se dá no fortalecimento da integração e atuação articuladas das áreas de vigilância da saúde com as áreas de produção de conhecimentos.


8) Que sejam realizadas pesquisas clínicas e informadas outras disfunções ou malformações relativas as viroses da Dengue, da Zika e da Chincungunya e que sejam estudados os efeitos da exposição a produtos químicos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti;


9) Que o amparo às famílias acometidas pelo surto de microcefalia se dê mediante uma política pública perene e não transitória. Que esse apoio seja integral, incluindo neste atenção a família pelo trauma psíquico decorrente desse desfecho gestacional.


10) Que seja realizada uma auditoria nos modelos de controle vetorial por uma comissão multidisciplinar de especialistas independentes, incluindo avaliação do modos operandos do Fundo Rotatório da OPAS/OMS a ser solicitado pelo governo brasileiro, quiçá em conjunto com outros países latino-americanos que sofrem as mesmas imposições, à Organização da Nações Unidas;

12) Que seja ratificada a imediata elaboração pelo Ministério da Saúde de orientações técnicas para a Atenção à Saúde dos Trabalhadores da Saúde que NO PASSADO se expuseram aos agrotóxicos utilizados no controle do Aedes aegypti, a serem adotadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, em acordo com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e com experiência exitosas;

13) Que seja criado, pelo MS, um Portal para acesso amplo da população a todos processos e fatos associados ao controle vetorial, às epidemias relacionadas à ação do Aedes aegypti e a epidemia de microcefalia. Nele deve também ser informado quando utilizados, o volume, os tipos de produtos químicos, o número de domicílios e imóveis nebulizados, por Unidade da Federação e por município, pois são do maior interesse dos profissionais de saúde e da sociedade.

Por fim, chamamos atenção da sociedade civil, diante da atual declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional para epidemia de microcefalia e arboviroses, que: a) todas as medidas de controle vetorial sejam realizadas com mobilização social no sentido da proteção e respeito da cidadania pela Saúde Pública, priorizando-se as medidas de saneamento ambiental, com garantia da potabilidade da água de beber, como parte do respeito aos Direitos Humanos e orientados pelos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde; b) que o SUS deve rever as estratégias e conteúdos da comunicação social à população, tirando o foco na responsabilidade individual e das famílias, explicitando as responsabilidades dos diversos setores estatais, com ênfase na importância das medidas de saneamento, coleta de resíduos, cumprimentos das políticas de resíduos sólidos, garantia de abastecimento de água; e c) melhoria da qualidade da assistência às famílias e às crianças acometidas e da atenção pré-natal, pois se agrava a fragilidade observada que já era conhecida – a exemplo dos casos de sífilis congênita – e que se comprova com a ocorrência de casos de microcefalia identificados após o parto.


Grupos Temáticos da Abrasco: 


GT de Saúde e Ambiente,


GT de Saúde do Trabalhador,


GT de Vigilância Sanitária,


GT de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável e


GT Educação Popular e Saúde.

[1] Livro editado pela CNBB no final de 2015.




[3] UBV é uma técnica que utiliza equipamentos motorizados ou costal de alta pressão fazendo com que as partículas sejam menores, aumentando sua dispersão no ambiente e a penetração nos pulmões pela inalação das pessoas expostas.


[4] Armed Forces Pest Management Board, por meio do Memorando nº 13 – TECHNICAL INFORMATION MEMORANDUM NO. 13, do Centro Médico do Instituto Walter Reed). Disponível em:http://www.afpmb.org/pubs/tims/tim13.htm#Equipment


[5] Ver NT da Abrasco de 2014 https://goo.gl/GbAXx7






[8] Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle da Dengue / Departamento de Vigilância em Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde








[13] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/setembro/02/Recomenda—-es-para-o-uso-de-malathion-EW.pdf








[17] Fabricado pela Bayer.

Nota técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas – fumacê

Divisão de Controle das Endemias de Ji Paraná Ro http://dcejipa.blogspot.com.br/
























A Abrasco manifesta-se através da atuação dos Grupos Temáticos de Saúde e Ambiente; Saúde do Trabalhador; Vigilância Sanitária; Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável e ainda Educação Popular em Saúde, sobre a epidemia de microcefalia. O documento pretende aprofundar reflexões, questionamentos e fazer proposições que possam orientar as políticas públicas na intervenção preventiva frente ao surto.

O crescimento exponencial da epidemia de dengue (em 2015, o Ministério da Saúde registrou 1,649,008 casos prováveis desta virose no país e houve um aumento de 82,5% dos óbitos em relação ao ano anterior). A expansão territorial da infestação pelo Aedes aegypti atestam o fracasso da estratégia nacional de controle. Com o surgimento da epidemia do zika vírus, com repercussões ainda mais danosas ao ser humano, urge a revisão de nossa política e do programa de controle da infestação dos Aedes visando impedir a ocorrência de epidemias por arbovírus. Vários fatores estão envolvidos na causa dessa tragédia sanitária. Trata-se de um fenômeno complexo. Para a Abrasco, a degradação das condições de vida nas cidades, saneamento básico inadequado, particularmente no que se refere à dificuldade de acesso contínuo a água, coleta de lixo precária, esgotamento sanitário, descuido com higiene de espaços públicos e particulares – são os principais responsáveis por esse desastre.

Contexto do surgimento da epidemia

O quadro sanitário no qual emerge a epidemia de microcefalia deve ser analisado considerando-se os graves problemas que estão presentes na realidade socioambiental em que ocorreram os casos e no modelo operacional de controle vetorial. A distribuição espacial por local de moradia das mães dos recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior nas áreas mais pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado, com provimento de água de forma intermitente, fato que leva essas populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito favorável para a reprodução do Aedes aegypti, constituindo-se em “criadouros” que não deveriam existir, e que são passíveis de eliminação mecânica.

Alguns fatos que ainda precisam ser questionados e investigados podem justificar a introdução e a disseminação do vírus Zika. É necessário avaliar quais contextos e contingências existiram e aconteceram em 2014 nos locais de aparecimento dos casos de microcefalia. Podemos aventar alguns por saltarem aos olhos, como:

1) Na região Nordeste, em especial na periferia das suas Regiões Metropolitanas, como a de Recife, pode ter havido aumento da degradação ambiental, por existirem nelas todas as condições para a manutenção da alta densidade do Aedes aegypti, pelos baixos indicadores de saneamento ambiental, relacionados ao abastecimento de água, ao esgotamento sanitário, à imensa presença de resíduos sólidos junto aos domicílios e às deficiências de drenagem de águas pluviais. A propósito desta questão, a Revista RADIS Comunicação e Saúde da Fiocruz (n.154, julho 2015) traz uma esclarecedora matéria sobre saneamento ambiental mostrando sua defasagem e os graves problemas ainda não solucionados, o que se agrava pelos indícios de que haverá um retardo de anos no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) com o ajuste fiscal.[1]

2) A utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber dessas famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do número de casos de doenças provocadas por arbovírus. Em 2014 foi introduzido na água de beber das populações nos domicílios e nas vias públicas um novo larvicida o Pyriproxyfen. Conforme orientação técnica do MS[2]esse larvicida é um análogo do hormônio juvenil ou juvenóide, tendo como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento das características adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos e genitália externa), mantendo-o com aspecto “imaturo” (ninfa ou larva), quer dizer age por desregulação endócrina e é teratogênico e inibe a formação do inseto adulto.

3) A intensificação de processos migratórios pela atração de grandes empreendimentos, cujos trabalhadores passam a viver em condições sanitárias precárias nas periferias dos polos industriais (como o de Suape-PE, com trabalhadores vindos de outras regiões e estados do país e de Pecém-CE, com a presença de milhares de coreanos);

4) A Copa do Mundo de 2014, evento de massa de grande porte, teve uma subsede em Recife (Arena Pernambuco). Instalada no município de São Lourenço da Mata (IDH de 0,614), está em uma região com precárias condições sanitárias. Foi observada a maior concentração dos casos de microcefalia inicialmente notificados (600 casos suspeitos) nessas áreas;

5) Fragilidade da vigilância epidemiológica dos municípios e dos estados no diagnóstico diferencial, na investigação de arboviroses e na diferenciação entomológica;

6) As dificuldades na condução da vigilância da Zika e Chinkungunya, ao tratá-las como “dengue branda”. Frise-se que a capacidade vetorial do Aedes aegypti para transmitir o vírus da Zyka e Chikungunya em nosso meio ainda não está devidamente estudada nem pelos entomologistas em nossos contextos socioambientais. Daí caber indagações: o que fez os casos de dengue se tornar mais graves, se antes era considerada doença benigna desde 1779 até 1950, sem provocar sequela e sem alterações hematológicas, conforme dados da OMS? Como está o sistema imunológico da população diante do modelo químico de controle vetorial e adotadas pelo MS em curso no País há cerca de 30 anos?

As estratégias adotadas pelo MS

Apesar das razões e incertezas que estão na determinação da ocorrência da epidemia de microcefalia, o caminho para o que se chama de “enfrentamento” foi o de intensificar o “combate” ao mosquito pela repetição do que vem sendo adotado há mais de 40 anos sem sucesso. Chamamos a atenção da sociedade para esta questão. Por quais razões, apesar de todos os indicadores de ineficácia, o MS continua a utilizar a mesma abordagem para o controle do mosquito transmissor do vírus da dengue, doença cuja transmissão depende também de outros elementos? Mesmo desencadeando diversas capacitações para os profissionais de saúde e trabalhando em salas de situação para aprimorar o diagnostico e a notificação de casos das novas doenças virais; permanece sem integração as ações das Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e a Promoção da Saúde. O problema que queremos destacar nesta Nota Técnica de alerta está na essência do modelo de controle vetorial, haja vista a intensificação do uso de larvicidas e adulticidas para o Aedes aegypti, sendo que segundo as orientações adotadas pelo MS desde 2014, retrocede-se à orientação de utilização da técnica Ultra Baixo Volume (UBV)[3] com Malathion a 30% diluído em água, abrangendo todo território nacional.

É preciso também problematizar o uso de produtos químicos numa escala que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioambientais de pessoas e comunidades. O consumo de tais substâncias pela Saúde Pública só interessa aos seus produtores e comerciantes desses venenos. São insumos produzidos por um cartel de negócios muito lucrativo, que atua em todo o mundo e que, mesmo com evidências dos riscos provocados pelos organofosforados e piretroides, dos quais se conhecem tantos efeitos deletérios, têm tido o apoio de agências internacionais de Saúde Pública, como o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma simples consulta às fichas de segurança química de tais produtos entregues pelas empresas aos órgãos de Saúde Pública mostra que esses produtos, a exemplo do Malathion, são neurotóxicos para o sistema nervoso central e periférico, além de provocarem náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e sintomas de fraqueza muscular, inclusive nas concentrações utilizadas no controle vetorial. Quanto à toxicidade ambiental é recomendado evitar seu uso no meio ambiente, o que não tem sido observado, pois seu lançamento é feito da forma como aqui denunciamos. Tais agências se constituem em instâncias de decisão para a compra e distribuição de venenos para todos os países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU). Os fornecedores são os mesmos cartéis de empresas produtoras de agrotóxicos que operam na agricultura, tornando-a também tóxica e químico-dependente. Esse modelo, pós-II Guerra Mundial, destacamos, impôs-se também para o controle das doenças vetoriais em Saúde Pública.

As tecnologias de controle químico dos vetores foram introduzidas amplamente no Brasil a partir de 1968, não se podendo desconsiderar que sua origem deve-se às armas químicas de destruição em massa, amplamente utilizadas pelo exército norte-americano, naquela época, na guerra do Vietnã. A adoção da técnica de tratamento por UBV foi uma prática introduzida nesse mesmo período e, não por acaso, um dos primeiros documentos de sua normatização foi elaborado pelo Exército Americano[4].

Essa mesma lógica já está adotada para oferecer a solução mediante a transgenia e outras biotecnologias imprecisas, duvidosas e perigosas para os ecossistemas, focando a ação apenas no mosquito, sem levar em conta os efeitos em organismos não-alvo. Atenção deve ser dada a empresa inglesa OXITEC nas pesquisas e comercialização do mosquito transgênico, cuja fábrica foi implantada em Campinas-SP em 2013 e que, em 2014, obteve a autorização da CTNBio para comercialização desse Organismo Geneticamente Modificado (OGM), e sobre essa questão a Abrasco publicou Nota Técnica[5].

O foco no mosquito e as consequências para a saúde humana

O lado invisível dos danos ao ambiente e à saúde humana, decorrentes do uso de produtos químicos no controle vetorial, ainda não foi devidamente estudado ou revelado às populações vulneráveis, incluindo os trabalhadores de Saúde Pública. Seus efeitos nocivos são totalmente desconsiderados tanto no agravamento das viroses, quanto no surgimento de outras patologias tais como: alergias, imunotoxicidade, câncer, distúrbios hormonais, neurotoxicidade, dentre outras.

Frisamos o simplismo no trato da questão por parte do MS que reduz a causalidade da Dengue, da Zika e da Chicungunya, centrando as ações na tentativa de eliminar ou reduzir o vetor, o que deve ser substituído, insistimos, pela ação de medidas de cunho intersetoriais para intervir no contexto socioeconômico e ambiental. Visando eliminar o mosquito a ação orientada pelo MS acaba, também, envenenando seres humanos. Mas isto não é reconhecido: ao contrário, há uma ocultação desses perigos. As vozes oficiais repetem até tornar verdadeiros diversos absurdos como: “As doses de larvicidas são tão baixas e pouco tóxicas que podemos colocar na água de beber, sem perigo”[6].

Este despreparo também leva a defender que a epidemia é um problema de Saúde Pública que justifica o uso do “fumacê”, mesmo com produtos químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para os seres humanos[7].

Assim, na tentativa de eliminar o mosquito estão sendo atingidos os humanos mediante efeitos agudos (de morbimortalidade) e de morte lenta, gradual, invisível e que é ocultada. Além das doenças agudas, as crônicas causadas por tais produtos aparecem a médio e longo prazos, a maioria delas chamadas “idiopáticas”, isto é, de causa indefinida ou desconhecida, que não são diagnosticadas ou se quer investigadas.

Ocorre que em pleno século XXI, no caso das doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, houve mais um complicador em termos de Saúde Pública, pois dois novos vírus entraram em nosso país, para cujas doenças – Chikungunya e Zika – não havia experiência no manejo clínico e nem epidemiológico.

A dengue e o sistema de vigilância epidemiológica

O sistema de vigilância epidemiológica da maioria dos serviços de saúde não investigou adequadamente esta nova realidade. Agora, com a tragédia do surgimento dos casos de microcefalia, revela-se este despreparo técnico-gerencial. Historicamente essas questões de Saúde Pública estão imersas em “razões de Estado”, desconhecidas pela maioria da sociedade. Devemos perguntar: que razões são essas? Para tal basta examinar os documentos oficiais do MS sobre controle vetorial.

Neste sentido, é pedagógico examinarmos os documentos orientadores emanados do MS. É o caso, por exemplo, da NOTA TÉCNICA N.º 109/2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS[8] de COMBATE à DENGUE, na qual estão bem ilustrados os equívocos que aqui sinalizamos, ou seja, a intensificação do uso da UBV motorizada e costal nos domicílios e nas vias públicas. Nela se reitera os vários absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o MS insiste em manter e ampliar.

O envenenamento da população pobre

No Brasil, a Dengue tornou-se uma doença endêmica com surtos epidêmicos e isto precisa ser assumido de uma vez por todas. Quais são as áreas específicas de maior circulação viral? Justamente aquelas onde habitam as populações mais pobres, que tem piores condições imunológicas e sem saneamento adequado, o que vai se agravar conforme noticias do jornal FOLHA de SÃO PAULO, edição de 11-01-2016. E por que não se divulgam essas vulnerabilidades para a própria população? Acima referida Nota Técnica faz menção à outra, de nº 118/2010, que formula um parâmetro composto, com o que se busca introduzir indicadores ambientais[9].

Ocorre que o faz apenas para a “delimitação das áreas que necessitam de maior intensificação das ações do combate ao vetor”. Ou seja, a aplicação de veneno (inseticidas e larvicidas) acaba aumentando a nocividade sobre o sistema imune.

A NT 109/2010 informa ainda, que “as ações de controle larvário a serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser “tratada” com veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida. Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os mais protegidos e são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário. Prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito.

Ainda na NT 109/2010 o MS advoga que o sucesso do controle de doenças transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando cita como referência para sua justificativa nesse documento a “National Academy of Sciences, National Research Council. Pesticides in the Diets of Infants and Children. National Academy Press, Washington”. Ressaltamos que o MS é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar pelo princípio da precaução quando se coloca o tema relacionado às exposições humanas a produtos químicos perigosos.

Também nela se lê que em razão do crescente agravamento do processo de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões do Comitê de Especialistas em Praguicidas da OMS (WHOPES) é encontrar novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito está a demonstrar a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.

Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas medidas utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele país. Por que não analisar nossas próprias experiências, afinal temos um tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são edificantes?

Mais venenos, mais resistência, mais venenos

É utilizado o exemplo do inseticida organofosforado Temephós (conhecido comercialmente como ABATE®), a 1%, introduzido no Brasil em 1968, como larvicida em água potável especialmente no Norte e Nordeste brasileiro, cujos impactos na saúde das populações não foram estudados. Sabemos que apesar da constatação da resistência do mosquito o MS continuou a utilizá-lo até o esgotamento de seu estoque, a despeito de ter sido demonstrado a resistência nos insetos alvo e a farta informação toxicológica dos potenciais riscos para a saúde humana.

A continuidade da adição de outros larvicidas substitutos na água de beber das pessoas se dá até hoje sem qualquer preocupação sobre sua concentração final, pois por orientação das normas do MS é indicada a diluição dos larvicidas apenas considerando o volume físico do recipiente e não pela quantidade interna de água no recipiente. Em 1998, um alerta formal sobre este erro de diluição foi feito por químicos, médicos e engenheiros sanitaristas reconhecidos, mas nada mudou! Teimosamente, até hoje os documentos oficiais do MS recomendam a adição do larvicida nas caixas d’água considerando apenas o volume físico e não a quantidade de água que de fato existe em seu interior.

Um fato agravante é que em Pernambuco e outras regiões do Nordeste há racionamento frequente de água. Diante disso, cabe indagar: há quanto tempo o povo dessas regiões bebe água envenenada? De forma não cuidadosa e com falta de precaução, a introdução dos larvicidas classificados como reguladores de crescimento de insetos (IGR) dá-se mediante Notas Técnicas ainda mais abusivas no que se refere a “despotabilização” da água de beber.

Entendemos que aqui está a chave mestra para discutir porque o MS admite e defende esse modelo. Por trás disso estão a OMS e OPAS com o peso institucional de seus comitês de “pesticidas” que não dialogam com os comitês: ambiental, de saneamento e de promoção da saúde. Naqueles comitês internacionais, os que fazem a prescrição do uso e a regulação da compra dos insumos de controle vetorial para o mundo são imperiais. São tais organismos que convencem e dão o aval aos processos licitatórios dos governos nacionais.

Os larvicidas reguladores de crescimento como o Diflubenzuron e Novaluron, introduzidos no lugar do Temephós, mostram-se problemáticos. Em Recife, foi realizado estudo de efeito sobre a saúde dos trabalhadores que os aplicam constatou-se a ocorrência de metahemoglobinemia; também se sabe que seus metabólitos têm diversos efeitos tóxicos, e que não são considerados. Tais resultados foram amplamente divulgados no II Seminário da Rede Dengue da Fiocruz em novembro de 2010, na cidade do Rio de Janeiro; no Primeiro Simpósio de Saúde e Ambiente em 2010, realizado na cidade de Belém e no 10º. Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em 2012, na cidade de Porto Alegre.

Com sua política centralizadora, os setores do MS responsáveis pelo controle vetorial contraindicam que os municípios adotem outros meios independentes do uso químico. Mesmo diante da constatação da ineficácia do modelo utilizado. Os municípios gastam inutilmente seus parcos recursos em produtos químicos perigosos e fazem os trabalhadores da saúde atuarem apenas nesse ponto, expondo-os ainda aos venenos.

Insistindo nessa estratégia, houve, em 2014, a introdução do larvicida Pyriproxyfen, e mesmo sabendo-se de sua toxicidade como teratogênico e de desregulação endócrina para o mosquito, foi considerado de baixa toxicidade. E, mais uma vez, o MS recomenda o seu uso em água potável, para ser adicionado nos reservatórios e caixas de água, independentemente da quantidade de água no seu interior, tornando a concentração mais elevada quando em situações de racionamento de água[10][11].

Diante de produtos que têm efeito teratogênico em artrópodes, o que pelas normatizações para registro de agrotóxicos seria vedado seu uso na agricultura, por razões de segurança alimentar, perguntamos como aceitar o uso em água potável destinado ao consumo humano? O que dizer desse uso em um contexto epidêmico de má formação fetal? No estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recentemente decretado pelo MS, conforme noticia a grande mídia, está sendo preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas que distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste. Alertamos que esta é a mais recente medida sanitária absurda e imprudente imposta pelos gestores do modelo químico de controle vetorial.

Embora a NT 109/2010 reconheça que “A inserção de ações intersetoriais, tais como o abastecimento regular de água e coleta de resíduos sólidos, constitui-se em uma atividade fundamental para impactar na redução da densidade do vetor Aedes aegypti”, pouco se propõe nesse sentido. Insistimos na pergunta: por que é mantido o controle vetorial centrado em um programa que há mais de 40 anos vem mostrando ineficácia e ineficiência para fazê-lo? Impõe-se, pois, uma estratégia centrada na identificação e eliminação dos criadouros e no Saneamento Ambiental. O que de fato está sendo feito para o abastecimento regular de água nas periferias das cidades? Como as pessoas podem proteger as águas reservadas para consumo? Por que apesar de muitas cidades terem coleta de lixo regular ainda se observa uma quantidade enorme de resíduos sólidos diariamente dispostos no ambiente? O que está sendo feito para cuidar desta questão? E a drenagem urbana de águas pluviais? E o esgotamento sanitário?

Merece ainda destaque a NT 109/2010, quando afirma que “o maior problema reside nos “adulticidas espacial e residual”, lamentando que os venenos disponíveis estejam restritos apenas aos “grupos dos organofosforados e piretróides. Nos organofosforados a oferta restringe-se ao Malathion (espacial) e o Fenitrothion (residual)”. Esclarecemos que a menção ao termo “espacial” se refere a uso em nebulizadores (Ultra Baixo Volume – UBV, conhecido como “fumacê”, ou por equipamento costal). Dos venenos acima referidos, sabe-se, como já dito, que o Malathion é um potente cancerígeno para animais e, recentemente, foi reconhecido como potencialmente cancerígeno para humanos pela IARC da OMS[12]. Vale o destaque, de que diversos produtos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti como o Fenitrothion, Malathion e Temephós vem sendo estudados desde 1998, no Departamento de Química Fundamental da UFPE e mostram ter efeitos potencialmente carcinogênicos para humanos. As recomendações pelo MS do uso de Malathion encontram-se no documento Recomendações sobre o uso de Malathion Emulsão Aquosa-EA 44% para o controle de Aedes aegypti em aplicações espaciais a Ultra Baixo Volume UBV, de 2014[13]. Com a adoção dessas nebulizações o envenenamento é potencialmente, ainda mais amplo e perigoso.

Sem trocadilhos, chega-se assim, ao fundo do poço, em termos de falta de compreensão dos processos de determinação socioambiental e de cuidados na prevenção das doenças relacionadas aos vetores, aos quais se somam os interesses nacionais e internacionais estranhos às questões de saúde públicas e relacionadas às agendas de consumo dos agrotóxicos.

Onde fica o saneamento ambiental?

Uma pergunta que não quer calar precisa ser aqui posta com total indignação: por que não foram priorizadas até agora as ações de saneamento ambiental, estratégia que parece ficar ainda mais distante?

A propósito, se visitarmos as periferias das grandes cidades e as chamadas zonas especiais socialmente vulneráveis, onde as carências são de toda ordem, ver-se-á um quadro sanitário tão grave que nenhuma quantidade de veneno poderá resolver o controle vetorial, ao que acresce o fato de que as pessoas terão sua saúde gravemente comprometida.

As políticas urbanas e de saneamento são, em geral, desarticuladas. As precárias condições de moradia, de urbanização e de saneamento ambiental, contexto característico da grande maioria dos casos de microcefalia, refletem um modelo de desenvolvimento e de políticas urbanas que atinge aos pobres, já vulnerabilizados historicamente pela abissal desigualdade social brasileira. Habitações sem condições para adequado armazenamento de água domiciliar, localizadas em áreas íngremes ou alagadas, com precária infraestrutura e urbanização e com serviços de saneamento precários. Um contexto que reflete a mazela social que destina melhor infraestrutura e melhores serviços para as classes média e alta. O exemplo da desigualdade no acesso à água potável no Brasil é emblemático dessa assimetria de acesso. O consumo per capitapode variar em uma cidade de 30 a 500 litros/hab/dia. Uma das expressões dessa desigualdade é no rodízio semanal do acesso ou na intermitência do abastecimento de água. A grande maioria de casos de microcefalia ocorreu em cidades com problemas sérios de rodízios ou intermitência, onde os mais pobres ficam mais dias sem água por semana e os mais ricos ou não tem rodízio ou intermitência ou os tem por poucos dias. A crise hídrica e a má gestão dos serviços de saneamento também tem imposto o rodízio ou intermitência a cidades inteiras, e mesmo o colapso no abastecimento, cenário de muitos casos de microcefalia no Nordeste.

Diante da inoperância dos métodos de controle do Aedes aegypti, a gravidade da situação se aprofunda. Em Pernambuco a Secretaria de Estado da Saúde (SES) notificou ao MS, em 28 de outubro de 2015, a existência de 29 casos de microcefalia naquele ano, até então mais do que o dobro do que vinha ocorrendo nos anos anteriores. Destaca-se que apenas 07 estados tinham a prática de notificação obrigatória de má-formação congênita. Em dezembro de 2015 constatava-se que 14 estados estavam com prevalência de microcefalia elevada. A proporção de novos casos em Pernambuco tornou-se assustadora. No dia 18 de novembro de 2015, o MS decreta o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, situação que apenas fora adotada em 1917, com a ocorrência de Gripe Espanhola. Conforme noticiado pelo Diário de Pernambuco, em 20/01/2016, o número de casos suspeitos de microcefalia subiu para 3.893. Os registros foram feitos em 764 municípios, distribuídos em 21 unidades da federação. Até essa data, foram notificadas 49 mortes provocadas por essa má-formação. Do total desses óbitos, 05 tiveram confirmadas a presença do vírus Zika. Embora sabemos que, em uma situação de exposição materna ao vírus, e este ultrapassando a barreira placentária, é esperado que o feto também se exponha. Neste campo ainda há muitas questões em processo de pesquisa. Segundo informações do MS, Pernambuco continua a ser o Estado com o maior número de casos suspeitos (1.306), o que representa 33% do total registrado em todo o país[14].

Deve-se alertar e assinalar que a entrada no Brasil do vírus Zika não foi acompanhada de um conhecimento da sua dispersão pela vigilância epidemiológica e entomológica. Uma série de medidas, todas centradas na prática do uso de venenos foi intensificada, a partir da aceitação de relação direta entre microcefalia e Zika vírus. Como aditivo temos a recomendação para gestantes de uso de repelente[15]. Com isso o DEET (N,N-dimetil-meta-toluamida) vem sendo comercializado sem restrição para mulheres grávidas, outra banalização de exposição química[16].

O quadro de crise epidemiológica das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti é ainda mais grave e aqui é importante dizer que no Brasil, entre 2014 e 2015, ocorreram cerca de 1,5 milhão de casos, a metade no estado de São Paulo. Porque nesse estado, onde ocorrem periodicamente epidemias de Dengue, que anteriormente registrava pouquíssimos óbitos, e que, nesse período, houve inusitadamente mais de 400 mortes associadas a complicações de Dengue? Será que tal fato tem relação com a informação de que, em São Paulo, vem se intensificando o controle vetorial com uso de Malathion em nebulização química? Esse veneno é utilizado desde 2001, a 30% na formulação final, em processo de nebulização, pela Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), sendo que no segundo semestre de 2014, foi introduzida pelo MS uma nova formulação de Malathion diluído em água[17], contendo emulsificantes e estabilizantes não declarados. A justificativa dessa substituição foi o seu menor custo. Será que pode haver alguma associação entre a exposição ao Malathion e essa mortalidade considerada tão aumentada por complicações da Dengue? Quem são esses que morreram? São idosos, portadores de doenças crônicas, crianças? É preciso saber mais. A população exposta ao Malathion foi investigada? A possibilidade de essas mortes estarem associadas à exposição ao Malathion foi aventada e pesquisada? Salientamos que devido ao uso massivo e contínuo de substância tão tóxica essa investigação precisa ser realizada.

Finalizando, reivindicamos das autoridades competentes a adoção das medidas a seguir:

1) Imediata revisão do modelo de controle vetorial. O foco deve ser a ELIMINAÇÃO DO CRIADOURO e não o mosquito como centro da ação; com a suspensão do uso de produtos químicos e adoção de métodos mecânicos de limpeza e de saneamento ambiental. Nos reservatórios de água de beber utilizar medidas de limpeza e proteção da qualidade da água e garantia de sua potabilidade;

2) Nas campanhas de Saúde Pública para controle de Aedes aegypti, imediata suspensão do uso de Malathion ou qualquer outro organofosforado, carbamato, piretróide ou organopersistente, seja em nebulização aérea ou em cortinados tratados com veneno (mosquiteiros impregnados). Substituir o uso desses produtos por barreiras mecânicas, limpeza, aspiração, telagem de janelas, portas entre outras medidas;

3) Nas medidas adotadas pelo MS para controle de Aedes aegypti em suas formas larva e adulto, imediata suspensão do Pyriproxyfen (0,5 G) e de todos os inibidores de crescimento como o Diflubenzuron e o Novaluron, ou qualquer outro produto químico ou biológico em água potável. O conceito de potabilidade da água não pode ser perdido, ele é a chave para as medidas participativas de eliminação de vetores.

4) Que sejam realizados esforços intersetoriais para a acabar com a intermitência do abastecimento de água nas áreas de urbanização precária. Água é um direito humano. As populações mais vulneráveis devem, por equidade, serem as mais protegidas;

5) Que as ações de controle vetorial no ambiente seja uma atribuição dos órgãos de saneamento e de controle ambientalmunicipais, estaduais e nacional e não só do SUS, que deve atuar na vigilância entomológica, sanitária, ambiental, epidemiológica, virológica e da saúde do trabalhador, aferindo se as medidas de saneamento ambiental estão resultando em melhoria das condições de saúde;

6) Que as políticas urbanas e de saneamento ambiental promovam programas integrados para a resolução dos problemas de moradia, saneamento e urbanização;

7) Que a vigilância epidemiológica seja realizada por profissionais experientes em clínica, fisiopatologia e epidemiologia, em diversos níveis do SUS. Esta proposição se dá no fortalecimento da integração e atuação articuladas das áreas de vigilância da saúde com as áreas de produção de conhecimentos.

8) Que sejam realizadas pesquisas clínicas e informadas outras disfunções ou malformações relativas as viroses da Dengue, da Zika e da Chincungunya e que sejam estudados os efeitos da exposição a produtos químicos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti;

9) Que o amparo às famílias acometidas pelo surto de microcefalia se dê mediante uma política pública perene e não transitória. Que esse apoio seja integral, incluindo neste atenção a família pelo trauma psíquico decorrente desse desfecho gestacional.

10) Que seja realizada uma auditoria nos modelos de controle vetorial por uma comissão multidisciplinar de especialistas independentes, incluindo avaliação do modos operados do Fundo Rotatório da OPAS/OMS a ser solicitado pelo governo brasileiro, quiçá em conjunto com outros países latino-americanos que sofrem as mesmas imposições, à Organização da Nações Unidas;

12) Que seja ratificada a imediata elaboração pelo Ministério da Saúde de orientações técnicas para a Atenção à Saúde dos Trabalhadores da Saúde que NO PASSADO se expuseram aos agrotóxicos utilizados no controle do Aedes aegypti, a serem adotadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, em acordo com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e com experiência exitosas;

13) Que seja criado, pelo MS, um Portal para acesso amplo da população a todos processos e fatos associados ao controle vetorial, às epidemias relacionadas à ação do Aedes aegypti e a epidemia de microcefalia. Nele deve também ser informado quando utilizados, o volume, os tipos de produtos químicos, o número de domicílios e imóveis nebulizados, por Unidade da Federação e por município, pois são do maior interesse dos profissionais de saúde e da sociedade.



Por fim, chamamos atenção da sociedade civil, diante da atual declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional para epidemia de microcefalia e arboviroses, que: a) todas as medidas de controle vetorial sejam realizadas com mobilização social no sentido da proteção e respeito da cidadania pela Saúde Pública, priorizando-se as medidas de saneamento ambiental, com garantia da potabilidade da água de beber, como parte do respeito aos Direitos Humanos e orientados pelos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde; b) que o SUS deve rever as estratégias e conteúdos da comunicação social à população, tirando o foco na responsabilidade individual e das famílias, explicitando as responsabilidades dos diversos setores estatais, com ênfase na importância das medidas de saneamento, coleta de resíduos, cumprimentos das políticas de resíduos sólidos, garantia de abastecimento de água; e c) melhoria da qualidade da assistência às famílias e às crianças acometidas e da atenção pré-natal, pois se agrava a fragilidade observada que já era conhecida – a exemplo dos casos de sífilis congênita – e que se comprova com a ocorrência de casos de microcefalia identificados após o parto.



Grupos Temáticos da Abrasco: 

GT Saúde e Ambiente

GT Saúde do Trabalhador

GT Vigilância Sanitária

GT Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável

GT Educação Popular e Saúde

GT Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva





[1] Livro editado pela CNBB no final de 2015.

[2] Disponível em http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/15/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifennmaio-2014.pdf)

[3] UBV é uma técnica que utiliza equipamentos motorizados ou costal de alta pressão fazendo com que as partículas sejam menores, aumentando sua dispersão no ambiente e a penetração nos pulmões pela inalação das pessoas expostas.

[4] Armed Forces Pest Management Board, por meio do Memorando nº 13 – TECHNICAL INFORMATION MEMORANDUM NO. 13, do Centro Médico do Instituto Walter Reed). Disponível em: http://www.afpmb.org/pubs/tims/tim13.htm#Equipment

[5] Ver NT da Abrasco de 2014 https://goo.gl/GbAXx7

[6] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/30/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifen-maio-2014.pdf

[7] Disponível em: https://www.iarc.fr/en/media-centre/iarcnews/pdf/MonographVolume112.pdf

[8] Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle da Dengue / Departamento de Vigilância em Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde

[9] Disponível em: http://www.saude.mppr.mp.br/arquivos/File/dengue/nt_aval_vul_epid_dengue_verao_10_11.pdf

[10] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/30/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifen-maio-2014.pdf




[13] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/setembro/02/Recomenda—-es-para-o-uso-de-malathion-EW.pdf

[14] Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/brasil/2016/01/20/interna_brasil,622575/sobe-para-3-893-o-numero-de-casos-de-microcefalia-no-pais.shtml



[17] Fabricado pela Bayer.