Mosquitos culicídeos – Espécies
Esta matéria complementa o primeiro artigo sobre larvas de mosquitos culicídeos, onde há informações gerais, seu uso como alimentos vivos e aborda a questão da Dengue. O artigo pode ser visto aqui .
Nesta segunda parte, abordaremos as espécies mais importantes de mosquitos culicídeos que podem ser encontrados por nós, aquaristas.
Os mosquitos culicídeos
A ordem Diptera, insetos de duas asas, compreende as moscas, mutucas, pernilongos e mosquitos. Dentre os dípteros, a família Culicidae (mosquitos) é um grupo bastante importante, com cerca de 3.600 espécies descritas. Como muitos outros táxons, a classificação dos culicídeos tem sido revista à luz das novas descobertas genéticas, na classificação atual estão distribuídas em cerca de 40 gêneros, em 3 subfamílias: Toxorhynchitinae, Anophelinae e Culicinae.
O gênero Toxorhynchites é o único da subfamília Toxorhynchitinae, estes mosquitos são grandes, coloridos e não são hematófagos, dessa forma não possuem importância epidemiológica na transmissão de doenças. Suas larvas, sendo predadoras, podem ser um grande componente em um programa integrado de controle de mosquitos vetores.
A subfamília Anophelinae agrupa três gêneros: Anopheles, Chagasia e Bironella, sendo as principais características a presença de flutuadores nos ovos que são colocados isoladamente na água, a ausência do sifão nas larvas, o pouso dos adultos com o corpo e a probóscide quase verticalmente em relação ao substrato enquanto outros culicídeos pousam quase paralelamente. Dos três gêneros, o único de grande importância é o Anopheles, mosquitos cosmopolitas responsáveis pela transmissão da Malária.
A subfamília Culicinae é a mais numerosa, reúne cerca de 3.000 espécies distribuídas em 11 tribos e 34 gêneros, sendo que 18 destes ocorrem no Brasil. Esta subfamília caracteriza-se pela presença do sifão respiratório nas larvas, palpos muito mais curtos que a probóscide nas fêmeas adultas e a postura agrupada ou isolada dos ovos sem flutuadores. Nesta subfamília reúnem-se espécies como Aedes aegypti, Aedes albopictus e Culex quinquefasciatus que possuem importância epidemiológica na transmissão de doenças.
Culex
O Culex (Culex) quinquefasciatus Say 1823 é um dos mosquitos mais freqüentes em áreas habitadas pelo homem com saneamento precário. Esta espécie é adaptada ao desenvolvimento de imaturos em água estagnada com forte carga orgânica. Possui vários nomes populares, como pernilongo, muriçoca, carapanâ, sovela e zancudo.
C. quinquefasciatus é o vetor primário e principal da filariose linfática conhecida como elefantíase (filariose bancroftiana) no Brasil. Sua predileção pelo sangue do homem (único hospedeiro da Wuchereria bancrofti) e a sua preferência por sugar durante a noite (período de aumento da microfilaremia periférica) facilitam muito o contato das microfilárias com este culicíneo, tornando-o mais eficaz que os outros mosquitos susceptíveis. Também tem sido incriminado como vetor de arbovírus dentro de vilas rurais e cidades, como o vírus Oropouche, onde atua como vetor secundário. É a única espécie do gênero Culex com importância como vetor de doenças humanas.
Ovos: Depositam seus ovos em conjuntos, com aspecto de "jangada", que flutuam na superfície da água. Sensíveis à dessecação, os ovos de C. quinquefasciatus murcham fora d'água.
Larvas: Têm o aspecto habitual das larvas da subfamília Culicinae, adquirindo uma posição oblíqua em relação à superfície da água. A cabeça é maior e mais larga do que outros mosquitos. Possui um sifão longo e fino (4 ou 5 vezes o valor da largura basal no C. quinquefasciatus).
Adultos: São mosquitos de porte médio, cor de palha (coloração geral marrom escuro ou claro), sem brilho metálico, tarsos escuros, sem marcação clara. Suas asas não possuem manchas.
Habitat: O Culex quinquefasciatus é considerado cosmopolita, foi originalmente descrito de espécimes de New Orleans, EUA. Tipicamente urbano e antropofílico, é encontrado em maior quantidade nos aglomerados humanos, dentro das cidades e vilas rurais.
Seus criadouros preferenciais são os depósitos artificiais, com água rica em matéria orgânica em decomposição e detritos, de aspecto sujo e mal cheiroso. Estão sempre próximos às habitações, pois esse Culex é extremamente beneficiado pelas alterações antrópicas no ambiente peridomiciliar. Porém, outras espécies são essencialmente silvestres.
Comportamento: Na fase adulta, as fêmeas hematófagas têm hábitos noturnos, tendem a frequentar os domicílios nos quais encontram abrigo e alimentação. Perturbam bastante o sono das pessoas, principalmente pela sua habitual atividade noturna, mas não costumam ser tão agressivos como os Aedini. São muito atraídos pela luz artificial.
Mosquito Culex sp. Foto de Sonia Furtado.
Ooteca flutuante do Culex quinquefasciatus. Fotos de Walther Ishikawa.
Larva de Culex sp., espécie com sifão bastante longo, a primeira imagem com larvas mais desenvolvidas, e a segunda com a larva imatura. Fotos de Walther Ishikawa.
Esse é outro Culex, de espécie desconhecida, aspecto tigrado, e pequenas dimensões. As antenas com faixas brancas lembram o Culex sitiens. Fotos de Walther Ishikawa.
Larvas e pupa de Culex quinquefasciatus.
Pupas de Culex quinquefasciatus, em dois estágios.
Aedes aegypti
Descrito por Linnaeus em 1762, acredita-se que o Aedes (Stegomyia) aegypti seja uma espécie originária da África tropical (Etiópia), tendo-se tornado cosmopolita graças ao tráfego comercial. Está presente em todos os continentes e é admitida sua introdução na Região Neotropical pelo tráfico entre a África e as Américas, ao longo dos séculos XV até o XIX. No Brasil, na década de 50 foi considerado erradicado, porém reintroduzido a partir de 1967, instalando-se definitivamente no território brasileiro.
No Brasil, A. aegypti é o único vetor conhecido de febre amarela urbana e é também o único transmissor do dengue, em nossos dias.
Ovos: os ovos são depositados fora da água, nas paredes internas e úmidas dos recipientes, onde são capazes de se manter viáveis por longos períodos(superior a um ano), mesmo em condições desfavoráveis de dessecação. Os ovos têm cor clara quando são depositados, mas escurecem após contato com o oxigênio. São descritos como tendo um aspecto em “gergelim”, cada postura tem uma média de 100 ovos. Outra característica importante doAedes é o fato da fêmea depositar os ovos em diferentes criadouros em uma mesma postura, aumentando a sua dispersão.
Larvas: Têm o aspecto habitual das larvas da subfamília Culicinae, adquirindo uma posição oblíqua em relação à superfície da água. A cabeça é escura e menor do que os Culex. O sifão é curto, grosso e quase cônico, geralmente bem escurecido.
Adultos: O mosquito adulto tem coloração escura, com manchas branco-prateadas no abdome formando anéis. As pernas escuras também têm anéis brancos, conferindo um aspecto tigrado ao mosquito. Na parte superior do tórax possui faixas branco-prateadas formando um desenho classicamente comparado a uma “lira”.
Habitat: Embora oriundo do Velho Mundo (provavelmente da região etiópica, tendo sido originalmente descrito do Egito), acompanhou o homem em sua longa e ininterrupta migração pelo mundo, e permaneceu onde as alterações antrópicas propiciaram a sua proliferação. Hoje é considerado um mosquito cosmopolita. Espécie urbana, restrita às vilas e cidades, sempre ligada ao peridomicílio e ao domicílio humano.
Seus criadouros preferenciais são os recipientes artificiais, tanto os abandonados pelo homem a céu aberto e preenchidos pelas águas das chuvas, como aqueles utilizados para armazenar água para uso doméstico. A água armazenada precisa ser limpa, isto é, não turva, pobre em matéria orgânica em decomposição e em sais, preferencialmente acumulada em locais sombreados e de fundo ou paredes escuras, pelo seu caráter de fotofobia.
Comportamento: As fêmeas de A. aegypti restringem seus hábitos hematófagos aos horários diurnos. Seus picos de maior atividade acham-se, geralmente, situados no amanhecer e pouco antes do crepúsculo vespertino, mas ataca a qualquer hora do dia. O homem é atacado principalmente nos pés e na parte inferior das pernas. A longa associação do A. aegypti com a espécie humana parece tê-lo dotado de certa habilidade para escapar de ser morto por sua vítima durante o repasto sanguíneo. Assim é que, se o hospedeiro produz movimento, mesmo que suave, uma fêmea de A. aegyptiprontamente o abandona, voltando a atacá-lo ou procurando outra vítima, depois de cessado o iminente perigo de ser atingida. Esta peculiaridade tem grande importância, pois uma só fêmea de A. aegypti infectada pode, enquanto procura alimentar-se satisfatoriamente de sangue, produzir várias alimentações curtas em diferentes hospedeiros e disseminar o dengue ou a febre amarela.
Close em Aedes aegypti, mostrando o típico padrão em "lira" no seu tórax. Foto de Daniel Ramos.
Aedes aegypti, nesta foto podem ser vistos outros sinais auxiliares para a identificação da espécie, como a faixa branca no fêmur e o padrão de manchas na região lateral do tórax. Foto de Marcos Teixeira de Freitas.
Ovos de Aedes aegypti na primeira imagem, com aspecto descrito como "gergelim". O adulto emergindo da pupa na segunda foto. Fotos de Walther Ishikawa.
Larvas e pupa de Aedes aegypti .
Larva de Aedes aegypti.
Pupa de Aedes aegypti, e inseto adulto emergindo.
Aedes albopictus
O Aedes (Stegomyia) albopictus (Skuse 1894) é um mosquito originário do Sudeste da Ásia, encontrado até em regiões de clima subtropical e temperado, já tendo sido observado no norte da China e Sibéria, devido a sua maior tolerância ao frio.
É vetor natural do Dengue em áreas rurais, suburbanas e urbanas da Ásia, desde a década de 50. Estudos realizados com cepas de Aedes albopictus procedentes do Brasil comprovaram sua competência vetorial para a dengue e febre amarela. No entanto, até o momento, não se tem registro de casos de febre amarela, cujo vetor tenha sido Aedes albopictus, sendo, portanto, considerado apenas vetor potencial desta arbovirose.
Está bem adaptada ao ambiente doméstico, predomina em áreas urbanas com cobertura vegetal, proliferando tanto em recipientes naturais como artificiais, o que tem facilitado o seu estabelecimento também em áreas rurais.
Ovos, larvas e pupa: Muito parecido com o Aedes aegypti, de distinção bastante difícil para o não-especialista.
Adultos: Bastante parecido com o Aedes aegypti, também com coloração escura, manchas e anéis branco-prateados conferindo um aspecto tigrado, daí seu nome “Tigre asiático”. Porém, pode ser facilmente diferenciado pelo padrão de desenho da porção superior do tórax, onde possui uma faixa longitudinal mediana branco-prateada.
Habitat: A. albopictus é, como o A. aegypti, um mosquito estrangeiro, foi originalmente descrito da Índia. Ocorrem naturalmente em áreas de clima temperado e tropical na Região Oriental, na Austrália, na Nova Guiné, nas Ilhas Havaianas, em Madagascar, no Oeste do Irã e Japão.
Invadiu o continente americano recentemente (1985), ocupando localidades ao sul dos Estados Unidos. Foi pela primeira vez encontrado no Brasil, em maio de 1986, deve ter entrado no Brasil através de portos no Espírito Santo e se interiorizado, via estrada de ferro, no Vale do Rio Doce (transporte de minério de ferro). A população desse mosquito no Brasil parece ser oriunda do Japão (para onde é exportada grande quantidade de ferro através daqueles portos) e apresenta diferenças biológicas em relação à cepa invasora da América do Norte.
Sua distribuição, no Brasil, ainda é associada à presença do homem, utilizando, como o A. aegypti, os criadouros propiciados pela atividade humana. Contudo, é um mosquito que se espalha com facilidade no ambiente rural, semi-silvestre e silvestre, não dependendo dos locais de grande concentração humana, como o A. aegypti. É comumente encontrado, por isso, nas áreas onde a população humana é escassa, nas bocas de matas e plantações, onde o A. aegypti é ausente ou muito raro. É, porém, mais tolerante às temperaturas mais baixas (ex.: norte da Ásia), enquanto o A. aegypti as evita.
A. albopictus cria-se em recipientes naturais e artificiais, nos mesmos locais do A. aegypti, com o qual compete. Acredita-se, até, que o resultado dessa competição seja favorável ao A. albopictus, pois a densidade deste costuma aumentar enquanto a do A. aegypti diminui, gradativamente, após certo tempo de coexistência.
Comportamento: Muito parecido com o Aedes aegypti.
Aedes albopictus, fotografado no Parque das Dunas, Natal (RN). Note a característica faixa branca mediana no tórax. Foto de Sonia Furtado.
Ochlerotatus
Originalmente considerado um subgênero de Aedes, após uma revisão em 2000 ganhou o status de gênero. Todas as espécies nativas originalmente classificadas como Aedes foram reclassificadas para Ochlerotatus.
As fêmeas desse subgênero são muito vorazes, insistentes em obter sangue e oportunistas. Aumentam muito sua atividade no crepúsculo vespertino, mas atacam, indiscriminadamente, de dia ou à noite. Parte das espécies tem ovos resistentes à dessecação. Seus criadouros são principalmente os de caráter transitório, no solo. Algumas espécies criam-se em recipientes naturais ou artificiais. O O. taeniorhynchus necessita de água salobra para o desenvolvimento larvar.
São cerca de 25 espécies que ocorrem no Brasil. As principais diferenças entre os gêneros Aedes e Ochlerotatus é determinada pela estrutura dos órgãos sexuais, de difícil análise sem microscópio. Larvas e pupas lembram os Aedes, alguns adultos são muito parecidos com o A. aegypti, com aspecto tigrado (como o O. taeniorhynchus e O. fluviatilis), outros têm aspecto mais pardo lembrando os Culex (como o O. scapularis e O. lepidus).
Ochlerotatus taeniorhynchus, uma espécie litorânea que depende de água salobra, seu aspecto lembra bastante os Aedes. Fotografado em Vero Beach, Indian River County, Florida, EUA. Foto de Sean McCann.
Ochlerotatus lepidus emergindo da pupa, uma espécie que lembra um Culex na forma adulta. Fotografado em Vinhedo, SP. Foto de Walther Ishikawa.
Ochlerotatus lepidus, um gênero originalmente classificado junto com os Aedes. Notem o sifão curto, semelhante ao Aedes, mas com o corpo mais robusto, de coloração distinta.
Pupas de Ochlerotatus lepidus.
Anopheles
Da subfamília Anophelinae, o gênero Anopheles é o único com importância epidemiológica. É um mosquito cosmopolita responsável pela transmissão da Malária e Filariose Linfática, compreende hoje 54 espécies que ocorrem no Brasil.
As principais características desta subfamília são a presença de flutuadores nos ovos que são colocados isoladamente na água, a ausência do sifão nas larvas, o pouso dos adultos com o corpo e a probóscide quase verticalmente em relação ao substrato enquanto outros culicídeos pousam quase paralelamente. Por esta última característica, são chamados popularmente de "Mosquito-prego".
Anopheles (Nyssorhynchus) darlingi Root 1926 é, sem dúvida, o principal vetor de Malária no Brasil. É vetor primário, altamente susceptível aos plasmódios humanos e capaz de transmitir Malária dentro e fora das casas, mesmo quando sua densidade está baixa. É o único anofelino brasileiro no qual foram detectadas infecções naturais pelos três plasmódios que causam Malária humana nas Américas - P. vivax, P.falciparum e P. malariae -sendo o mais suscetível, experimentalmente, a esses parasitas.
Outras espécies tem importância secundária, como o A. albitarsis Lynch Arribalzaga 1878, o anofelino mais comum e amplamente distribuído no Brasil, é considerado vetor secundário do plasmódio da Malária humana, sendo, porém, encarado como único transmissor em algumas localidades do País.
Ovos: presença de flutuadores nos ovos que são depositados unitariamente na superfície da água.
Larvas: Aspecto habitual das larvas dos demais culicídeos, porém, não possui sifão, mas um espiráculo respiratório. Devido a este fato, adquire uma posição paralela em relação à superfície da água, imediatamente abaixo do filme d´água.
Pupas: Trombeta curta, cônica e de abertura larga, contrastando com as pupas da subfamília Culicinae, que possuem trombeta alongada, geralmente de forma cilíndrica e de abertura estreita.
Adultos: Fêmeas com palpos longos, de comprimento semelhante ao da probóscide; pousam com o corpo e a probóscide em linha reta, quase em ângulo reto com o substrato.
Anopheles darlingi, imagem do CoNaSeMS (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde).
Larva de Anopheles sp..
Pupa de Anopheles sp., realizando movimentos de flexão e extensão. Note o sifão respiratório mais curto.
Mansonia
Seguramente 9 espécies de Mansonia ocorrem no Brasil, das quais Mansonia titillans Walker, 1848 é a mais comum.
Os Mansoniini têm em comum uma interessante característica biológica nos estágios imaturos. As larvas de primeiro estágio movimentam-se livremente na água durante algum tempo após a eclosão do ovo, obtendo oxigênio na superfície líquida, como fazem os demais culicíneos. Aos poucos, vão localizando raízes de plantas aquáticas, flutuantes ou não, ou outros tecidos vegetais submersos, onde se fixam perfurando esses tecidos a custa de dentes fortes existentes no ápice do sifão respiratório. A partir de então, durante todos os demais estágios larvais e pupal (sua trombeta respiratória tem aspecto de corno, com ápice bem quitinizado, adaptado para perfurar), retiram todo o oxigênio que necessitam dos parênquimas aeríferos.
As formas imaturas podem mudar de um local para outro numa mesma planta ou desta para outro vegetal. No momento da emergência do adulto a pupa se desprende da planta e migra para a superfície. As larvas se alimentam de matéria orgânica em suspensão na água do criadouro, pois não descem ao fundo ou sobem à superfície para procurar, ativamente, o seu alimento.
As espécies de Mansonia não são vetores de doenças endêmicas no Brasil. Por outro lado, podem tornar certas localidades impróprias à habitação ou à pecuária, por causa de seu hematofagismo agressivo.
Ovos: Os ovos de Mansonia são depositados em conjuntos geralmente de contorno circular, sob as folhas de plantas flutuantes. Não ficam, portanto, flutuando, mas submersos na água. Durante a desova, as fêmeas introduzem o ápice do abdome na água, prendendo os ovos na face inferior da folha escolhida. Neste momento, depositam também uma bolha de ar, que carreava no seu abdômen, para que os ovos possam respirar.
Larvas: Têm o aspecto habitual das larvas da subfamília Culicinae, adquirindo uma posição oblíqua em relação à superfície da água, quando obtêm oxigênio do ar atmosférico. Porém, como já mencionado, passam boa parte da sua existência atracada a plantas subaquáticas. Seu sifão é adaptado a esta finalidade, bem curto (geralmente bem menor que o lobo anal), escuro e cônico, com dentes cortantes muito quitinizados na face dorsal. As larvas têm antenas bem longas.
Adultos: São mosquitos muito robustos, de porte médio ou grande, escuros, com escudo de aspecto felpudo (principalmente na área supralar), asa e fêmures bem salpicados, sendo as escamas das asas bem largas, o que também confere um aspecto sujo e felpudo. Coloração escura, e patas francamente marcadas de branco.
Habitat: M. titillans é uma das espécies mais frequentes no nosso país, distribui-se amplamente do sul dos EUA ao sul da América do Sul. Habitam corpos d´água permanentes, onde existam plantas aquáticas.
Comportamento: Atacam em maiores números no crepúsculo vespertino e à noite. São verdadeiras pragas, dificultando a vida humana e a pecuária em certas regiões. Um exemplo desse problema vem ocorrendo na área de influência da usina hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins (PA), onde centenas de famílias abandonaram suas casas e cerca de 1000 que ali permaneceram, sofrem o ataque quase ininterrupto dos Mansoniini que se criam no enorme lago da hidrelétrica.
Mansonia titillans, fotografado em Fort Pearce, St. Lucie County, Florida, EUA. Foto de Sean McCann.
Grupo de Mansonia uniformis, uma espécie australiana, fixo à raiz de uma planta aquática. Foto de Stephen Doggett.
Haemagogus
Além da Dengue e Malária, outra doença transmitida por mosquitos culicídeos é a Febre Amarela, também uma arbovirose (um acrônimo, de “arthropod borne virus”). Desde 1942 a Febre Amarela é considerada erradicada em áreas urbanas do Brasil, em parte devido a uma eficiente campanha de vacinação para as pessoas que visitam áreas endêmicas. Nas cidades, o vetor da Febre Amarela é o Aedes aegypti. Nas áreas endêmicas, o vírus ocorre em animais portadores (principalmente macacos cebídeos), a transmissão se dá pela picada de um mosquito silvestre que previamente picara estes hospedeiros animais, o mais comum (vetor primário) é o gênero Haemagogus, mas outro gênero importante, secundário, é o Sabethes.
Ao contrário do Aedes e outros mosquitos, a transmissão vertical do vírus em mosquitos desempenha um importante papel na manutenção do reservatório viral silvestre. Diferentemente do que muitos acreditam, os mosquitos são os verdadeiros reservatórios do vírus ao passo que macacos são fontes de infecção para mosquitos apenas durante alguns dias. Depois de picados por um vetor infectado com o vírus, ou estes mamíferos morrem ou se tornam imunes a novas infecções. Desta forma, os macacos, quando infectados, podem transmitir o vírus para mosquitos que os picarem por apenas três a cinco dias, período da viremia. São os mosquitos que mantêm o vírus no ambiente silvestre, até mesmo na ausência de macacos infectados.
Haemagogus é um gênero restrito ao Novo Mundo, e quase todas as espécies são Neotropicais, 8 espécies assinaladas no Brasil. As espécies deste gênero estão entre os mais bonitos Culicinae. Seu corpo é recoberto de escamas de cores variadas e de reflexo metálico (azulado, esverdeado, violáceo, prateado). Parecem ser os culicíneos mais próximos, filogeneticamente, dos Sabethini, tribo que inclui os mosquitos de coloridos e brilhos mais intensos.
Ovos: Seus ovos, muito resistentes à dessecação, são colocados, isoladamente, em substratos úmidos de recipientes naturais. A eclosão se dá na época mais chuvosa do ano, quando os ovos de cada espécie parecem ter respostas diferentes aos estímulos externos para eclosão (número de contatos com a água), de maneira que as primeiras chuvas favorecem o aparecimento das larvas de alguns Haemagogus, enquanto outras de suas espécies nascerão quando a estação chuvosa já estiver plenamente estabelecida.
Larvas: Têm um aspecto bastante parecido com os Aedes.
Adultos: São mosquitos de escudo revestido de escamas coloridas em tons de verde, azul, cobre, bronze ou cores semelhantes, mas com forte brilho metálico. Lembram os sabetinos, dos quais são parentes próximos, mas não têm as cerdas em forma de remo nas pernas.
Habitat: Os criadouros preferidos dos Haemagogus são, decididamente, os buracos ou ocos de árvores. Podem ser encontrados criando-se, com muito menor frequência, em cascas de frutas e internódio de bambu. Sua presença está vinculada à existência desses criadouros, o que torna os Haemagogusrestritos às florestas e, no máximo, à sua vizinhança. São muito mais frequentes nas copas das árvores, onde se alimentam principalmente do sangue de macacos.
Comportamento: São mosquitos essencialmente diurnos e silvestres.
Haemagogus e Sabethes, os principais vetores da forma silvestre da Febre Aamarela. Fotos de Genílton Vieira (Instituto Oswaldo Cruz).
Sabetinos
Os mosquitos Sabetinos (tribo Sabethini) são muitas vezes chamados de “Mosquitos-borboletas”, por serem bastante coloridos, muitas vezes com uma cor iridescente e metálica. Várias espécies têm longas cerdas e escamas nas pernas, formando estruturas parecidas com remos, usadas em uma elaborada exibição sexual. Outra característica peculiar é a forma como pousam, com as pernas posteriores tão dobradas por cima do corpo que passam sobre a cabeça. Das 375 espécies conhecidas, 124 já foram encontradas no Brasil.
As formas imaturas aquáticas dos sabetinos se desenvolvem na água contida em recipientes formados por plantas, como a água acumulada em bromélias, bambus furados ou cortados, ocos de árvores, frutas cortadas e caídas no solo. A postura de uma espécie comum, Sabethes chloropterus, é especialmente curioso: as fêmeas pairam diante do furo de um bambu e lançam os ovos no seu interior, com ótima pontaria e com força suficiente para que eles atinjam uma distância de 2,5 cm a 10 cm. O Trichoprosopon digitatum (vetor da Encefalite de Saint Louis) é outra espécie com um comportamento interessante, a mãe, após colocar os ovos, permanece sobre eles, aparentemente para protegê-los, até o nascimento das pequenas larvas, 24 horas após a postura.
Suas larvas são em geral predadoras, principalmente de outras larvas de mosquitos, até mesmo das de seus irmãos. Diante disso e do fato de as fêmeas depositarem poucos ovos em cada criadouro, a quantidade de larvas encontradas costuma ser pequena.
Ovos: Os ovos são depositados isoladamente. Suas fêmeas grávidas são realmente adaptadas a desovar em recipientes cuja abertura para o meio externo é pequena: um orifício estreito. Neste caso, as fêmeas sobrevoam o local, aproximam-se do orifício e, voltando a ponta do abdome em direção à abertura, atiram 1 ou 2 ovos através dela.
Larvas: Têm o aspecto habitual das larvas da subfamília Culicinae, adquirindo uma posição oblíqua em relação à superfície da água, quando obtêm oxigênio do ar atmosférico.
Adultos: Os Sabethes são, indubitavelmente, os mais belos mosquitos. São dotados de colorido variado e de reflexos cintilantes. Seu escudo, pleura e abdome são intensamente recobertos por escamas que emprestam ao mosquito um aspecto metálico. As tíbias podem apresentar tufos de escamas longas que dão a esses apêndices a aparência de pás de remos. Pousam com as pernas posteriores tão dobradas por cima do corpo que passam sobre a cabeça.
Habitat: E uma tribo quase inteiramente neotropical. Suas espécies são essencialmente silvestres, está geralmente ligado à existência de florestas densas, quentes e úmidas.
Cria-se em recipientes naturais permanentes, preferencialmente em ocos de árvore, principalmente naqueles grandes mas com abertura pequena para o exterior (o que prolonga a existência do líquido, protegendo-o da evaporação intensa). Outros possíveis criadouros são internódios de bambu e axilas de folhas.
Comportamento: São exclusivamente diurnos, o que explica suas colorações vivas. São mosquitos muito "tímidos", geralmente pouco agressivos ou mesmo muito "inibidos", que sobrevoam muitas vezes a vítima antes de pousar, o que frequentemente fazem sobre o rosto, particularmente no nariz. Voam lentamente, com as pernas posteriores voltadas para frente, em arco acima do tórax, e quando ameaçados, afastam-se do hospedeiro voando de costas, de ré.
Sabethes cyaneus, fotografado na Guiana Francesa. Fotos de Paul Bertner.
Sabetino picando a ponta do nariz da sua vítima. Foto de Anthony Érico Guimarães.
Sabetino, provável Wyeomyia, um dos gêneros menos coloridos. Fotografado no Parque Estadual das Dunas de Natal, Natal, RN. Foto gentilmente cedida por Tibério Graco.
Toxorhynchites
Toxorhynchites é o único gênero conhecido da subfamília Toxorhynchitinae, os maiores culicídeos do mundo pertencem a este gênero, podendo atingir 12 mm de envergadura das asas. São conhecidas 93 espécies, 13 delas ocorrem no Brasil. É o único culicídeo cujas fêmeas adultas não são hematófagas, estas se alimentam de néctar, como os machos. São longevos, adultos têm uma expectativa de 4 meses.
Os mosquitos do gênero Toxorhynchites são bastante pesquisados, por terem larvas carnívoras, predadoras de outras espécies de mosquitos (muitas vezes canibais), podem consumir até 400 larvas durante seu desenvolvimento. Associado ao fato de terem adultos inócuos, é uma espécie com grande potencial como agente de controle biológico de mosquitos vetores de doenças.
Larvas: As larvas são grandes (até 2 cm), geralmente de coloração marrom escura ou avermelhada, com pelos conspícuos no abdômen. A cápsula cefálica possui um par de poderosas mandíbulas. Pelo seu comportamento, as populações destes mosquitos são de poucos indivíduos, cada reservatório possui somente uma ou algumas larvas.
Adultos: estes mosquitos são grandes, coloridos de cores iridescentes e brilhantes Uma característica peculiar deste gênero é seu proboscis, com uma curvatura para baixo em 90º. São, por isso, chamados em inglês de “elephant mosquitoes”.
Habitat: São mosquitos silvestres, encontrados principalmente em áreas florestais tropicais, Suas grandes larvas são encontradas em ambientes semelhantes aos Sabetinos, como buracos de árvores, reservatórios de bromélias, etc.
Comportamento: São mosquitos diurnos. As formas adultas deste gênero não possuem hábitos hematófagos, sendo, portanto desprovidas de importância epidemiológica na transmissão de doenças.
Toxorhynchites fotografado em uma fazenda, em Goiás. Note a probóscide curva para baixo, característica destes mosquitos. Foto de Sonia Furtado.
Toxorhynchites macho fotografado no Parque Natural do Caraça, MG. Foto de Troy Bertlett.
Larva de Toxorhynchites rutilus, uma espécie norte-americana. Foto de David Guzman.
Este artigo só foi possível com a colaboração de diversos amigos e colegas, aos quais somos muito gratos. Agradecimentos à fotógrafa Sonia Furtado,Troy Bertlett (EUA), Genílton Vieira (Instituto Oswaldo Cruz), CONASEMS, ao aquarista Mateus Camboim de Oliveira, aos zoólogos Daniel Ramos,Marcos Teixeira de Freitas, Tibério Graco, Sean McCann (EUA), Stephen L. Doggett (Austrália), Paul Bertner (EUA), Anthony Érico Guimarães e David Guzman (EUA) pela cessão das fotos para o artigo. As fotografias de Walther Ishikawa, Troy Bertlett, Genílton Vieira, CONASEMS, Daniel Ramos e Sean McCann estão licenciados sob uma Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.