Apresentação
A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast), conforme o
Anexo X da Portaria de Consolidação n° 3/GM/MS (Origem: PRT MS/GM 1679/2002)
(BRASIL, 2017a), é a principal estratégia de efetivação, organização e implementação das
ações de Saúde do Trabalhador (ST) em todos os serviços do Sistema Único de Saúde
(SUS). No âmbito nacional, a Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador (CGSAT), do
Departamento de Saúde Ambiental, do Trabalhador e Vigilância das Emergências em Saúde
Pública (DSASTE), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS),
é a responsável pela gestão e planejamento das ações relativas à Saúde do Trabalhador,
além de coordenar a implementação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora (PNSTT).
A PNSTT, segundo o Anexo XV da Portaria de Consolidação n° 2/GM/MS (Origem:
PRT MS/GM 1823/2012) (BRASIL, 2017b), representa uma importante conquista para
os trabalhadores brasileiros e um marco no fortalecimento das políticas sociais no Brasil.
Ao definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observadas pelas três esferas
de gestão do SUS para o desenvolvimento da Atenção Integral à Saúde do Trabalhador,
a PNSTT reconhece o trabalho como um dos determinantes do processo saúde-doença
dos indivíduos e da coletividade, enfatizando a Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat)
como estratégia de promoção da saúde e de redução da morbimortalidade na população
trabalhadora.
Considerando a influência dos modelos de desenvolvimento econômico nos processos
produtivos, na modificação da natureza e na dinâmica das populações, observa-se que
fatores como a urbanização desordenada, o desmatamento, a deficiência no abastecimento
adequado de água e as lacunas no processo de coleta e destinação dos resíduos sólidos,
bem como a existência de condições climáticas favoráveis, propiciaram, nos últimos anos,
a expansão, emergência e reemergência das arboviroses no Brasil (em especial, dengue,
Zika, chikungunya e febre amarela), doenças que representam um grave problema de
saúde pública no mundo. A importância dessas doenças reside, principalmente, no seu
grande potencial epidêmico e de dispersão, sensibilidade às alterações das dinâmicas
populacionais e ações humanas, susceptibilidade universal e, entre outros fatores, na
ocorrência de graves prejuízos à saúde, como acometimentos hemorrágicos, articulares e
neurológicos, dentre os quais se destacam complicações como as encefalites em adultos,
síndrome de Guillain-Barré, óbitos fetais, microcefalia e síndrome congênita associada à
infecção pelo vírus Zika (SCZ).
No escopo das ações estratégicas definidas pela SVS para a contenção do ciclo de
transmissão dessas doenças, destaca-se o papel de milhares de trabalhadores que
desenvolvem ações em prol do controle das endemias e epidemias. Esses profissionais
possuem atribuições de grande relevância e executam atividades de promoção da saúde,
Manual sobre medidas de proteção à saúde dos Agentes de Combate às Endemias
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vigilância, prevenção e controle de doenças, de acordo com as estratégias preconizadas
pelo Ministério da Saúde.
Entretanto, observa-se que a atividade laboral desses trabalhadores pode envolver a
manipulação de inseticidas, transporte de equipamentos, pesquisa de vetores em locais
de difícil acesso, entre outras atividades, que os expõem a fatores de riscos, tais como
os químicos, ergonômicos, sociais, físicos, biológicos e os ligados a acidentes.
A despeito de os manuais, protocolos e diretrizes elaborados e publicados pelo Ministério
da Saúde orientarem estados e municípios sobre as ações e atividades de vigilância a
serem executadas e sobre os procedimentos de segurança a serem seguidos pelos agentes
de combate às endemias (ACE), diante do conceito ampliado de Saúde do Trabalhador,
que norteia as ações de atenção integral à saúde dessa população no SUS, verifica-se a
necessidade de atualizar e estender o escopo desses documentos para além da segurança
relativa ao uso de agentes químicos, incorporando medidas de proteção coletivas e
intervenções para a melhoria das condições, organização e processos de trabalho.
Dessa forma, o DSASTE, por meio da Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador (CGSAT),
em colaboração com a área técnica da Coordenação Geral de Vigilância das Arboviroses,
do Departamento de Imunização e das Doenças Transmissíveis (CGARB/DEIDT/SVS),
realizou um trabalho conjunto intra e intersetorial, com a colaboração de especialistas nas
temáticas de saúde do trabalhador, saúde ambiental e gestão em saúde para a elaboração
deste Manual, que tem como público-alvo os gestores federais, estaduais e municipais de
saúde, os profissionais da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e da Vigilância em Saúde e a rede
intersetorial que apresente interface com o tema.
Devido às especificidades do processo de trabalho para o controle do mosquito Aedes
aegypti, este primeiro volume do Manual abordará as medidas de proteção à saúde dos
agentes de combate às endemias que desenvolvem atividades voltadas ao controle desse
vetor. Medidas de proteção relativas às atividades dos ACE para controle de outros agravos
e doenças serão abordadas em outros volumes.
Este Manual é norteado pela linha do cuidado integral e busca apontar os fatores de riscos
presentes nas atividades, organização e processos de trabalho, bem como descrever as
medidas de proteção coletiva e individual e as ações de promoção e proteção à saúde
a serem observadas pelas três esferas de gestão do SUS. Uma vez que os processos de
trabalho são dinâmicos, tornam-se essenciais discussões e atualizações periódicas sobre
os temas aqui abordados.
Pretende-se, portanto, favorecer a disseminação e incorporação deste Manual como
ferramenta operacional das medidas de proteção à saúde dos ACE que atuam no controle
vetorial do mosquito Aedes aegypti, na perspectiva de promover a melhoria da qualidade de
trabalho e de vida desse grupo de trabalhadores.
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Introdução
As epidemias sempre estiveram presentes na história das coletividades humanas. A par
disso, os contextos sociais dos modos de produção, associados aos fatores econômicos,
condicionaram modificações no ambiente e nas estruturas urbanas e rurais que favoreceram
e ainda favorecem a sua ocorrência (BARATA, 1987). No Brasil, pode-se dizer que a história
da saúde pública foi, em grande parte, marcada pela tentativa de eliminar grandes surtos
epidêmicos desde períodos coloniais, como o de febre amarela, e outros que surgiram
posteriormente ao longo dos anos, como malária, leishmaniose e doença de Chagas (LIMA,
2002). Em períodos recentes, pelo grande impacto na morbidade e na mortalidade, além
das implicações sobre os serviços de saúde, destacam-se especificamente as epidemias
de arboviroses (doenças causadas por arbovírus, do inglês ARthropod BOrne VIRUS), como
dengue, Zika, febre amarela e chikungunya (DONALISIO; FREITAS; VON ZUBEN, 2017).
No Brasil, as medidas de controle de vetor tiveram início no período colonial, desde a primeira
campanha sanitária contra febre amarela, realizada em Recife no ano de 1691 (BRASIL,
1994b, p. 7), passando pelas epidemias no Rio de Janeiro no século XIX (LIMA, 2002), até
as mais recentes. Assim, as ações para prevenção dessas endemias foram se estruturando
com base no conhecimento do território de atuação e nos procedimentos relacionados
ao trabalho de campo. Desde então, a figura dos ACE ganhou destaque (Figuras 1 e 2) e,
posteriormente, estes foram incorporados à organização operacional dos programas de
controle de doença e saúde ambiental (BEZERRA, 2017).
Os ACE estiveram presentes nos mais diversos contextos de atuação do controle vetorial,
tanto em áreas urbanas quanto rurais do país. Sua formação inicial abordava estudos
geográficos e elaboração de mapas, além de vigilância sobre os focos dos vetores e sua
erradicação, com uso de inseticidas e sensibilização da população por meio da educação
sanitária; dessa forma, eles herdaram um vasto conhecimento das técnicas de controle das
doenças transmitidas por vetores (BEZERRA, 2017).
Esses profissionais acompanharam a história da saúde pública do país. No entanto, suas
funções e atribuições sofreram alterações ao longo dos anos, passando de um sistema
vertical de ações de controle e vigilância para um modelo descentralizado. Isso exigiu
uma formação mais ampla e científica de recursos humanos qualificados, pois os ACE era
conhecidos como guardas da malária, guardas da dengue, guardas da esquistossomose,
entre outros, por atuarem apenas no âmbito de uma doença; em consequência, detinham
um conhecimento restrito a um ou dois agravos (TORRES, 2009).
Entretanto, mesmo diante da longa trajetória e da importância dos agentes de combate às
endemias, foi apenas em 2006, a partir da publicação da Lei Federal nº 11.350, de 5 de
outubro de 2006, que o trabalho do agente foi descrito e regulamentado. Considerando as
estratégias de vigilância e ações em saúde pública, o ACE é um profissional fundamental
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nas ações de controle de endemias e epidemias, trabalhando junto às equipes de Atenção
Básica da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e auxiliando na integração entre as vigilâncias
epidemiológica, sanitária e ambiental (TORRES, 2009).
Algumas atividades preconizadas para o controle vetorial das arboviroses podem expor
os ACE a riscos de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Dessa forma, faz-se
necessário que as orientações relacionadas à proteção da saúde do trabalhador, instituídas
por meio de portarias, normas regulamentadoras, instruções normativas, notas informativas
e manuais sejam observadas durante a realização do trabalho de campo, em consonância
com os direitos universais e constitucionais à saúde e ao ambiente de trabalho seguro. Como
esses trabalhadores podem ter vínculos de trabalho nas três esferas de gestão do SUS, é de
responsabilidade do empregador garantir a sua segurança.
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O Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde têm responsabilidades que vão desde
a identificação dos riscos presentes no ambiente laboral e a realização de exames
admissionais e periódicos até a adoção de estratégias de minimização dos riscos durante o
processo de trabalho, como a realização de capacitações e adoção de medidas de proteção
coletiva e individual.
Uma vez que as atividades de
controle vetorial dos programas
de vigilância do Ministério da
Saúde estão em constante
revisão de suas metodologias
de trabalho, tornam-se
essenciais discussões e
atualizações sobre os temas
aqui abordados, para que as
orientações sejam testadas,
avaliadas e aprimoradas de
forma contínua, a fim de que
se adequem à realidade.
Durante o século XX, alguns manuais
de procedimentos para os programas de
controle de endemias foram elaborados e
passaram por modificações e atualizações
ao longo do tempo. Tais manuais concentravam-se em orientar os trabalhadores
nas ações de campo. Entretanto, desde a
publicação do Manual de Saneamento, que
veio a suceder o Manual dos Guardas Sanitários elaborado em 1944, os conteúdos
não abordam aspectos de saúde e segurança do trabalhador na perspectiva da
atenção integral à saúde, com orientações
quanto às condições e organização do
processo de trabalho.
Considerando a necessidade de estabelecer medidas e orientar práticas voltadas
à saúde e segurança na realização das
atividades dos ACE, este Manual pretende
sistematizar as ações necessárias para a proteção à saúde dos trabalhadores inseridos nas
atividades de controle do Aedes aegypti.
A partir da compreensão e diferenciação entre o trabalho prescrito ou tarefa e o trabalho
real ou atividade (BRITO, 2008), que por sua vez define o processo, organização e condição
do trabalho, este documento busca trazer elementos técnicos para o desenvolvimento
locorregional de medidas de saúde e segurança aos trabalhadores, abordando a proteção
coletiva e individual, os aspectos de monitoramento clínico e laboratorial e as ações a serem
adotadas diante da ocorrência de doenças e agravos relacionados ao trabalho.
Dessa forma, espera-se a disseminação e incorporação das orientações deste Manual,
na perspectiva de promover a melhoria das condições e processos de trabalho, a fim de
contribuir para a construção democrática e participativa da Saúde do Trabalhador no
Sistema Único de Saúde, rumo ao fortalecimento da cidadania e diminuição das injustiças
e desigualdades
OBJETIVOS
Objetivo geral
Orientar, de forma prática e operacional, as medidas de promoção e proteção à saúde a
serem seguidas e que devem ser asseguradas aos agentes de combate às endemias (ACE),
na perspectiva da atenção integral à saúde do trabalhador.
Objetivos específicos
Apresentar as funções e atribuições legais dos ACE e o processo de trabalho que se
desenvolve a partir das condições reais de trabalho.
Descrever os fatores e as condições de risco advindos do trabalho realizado pelos ACE.
Definir as medidas de proteção à saúde coletivas e individuais para os ACE.
Orientar a manutenção das condições e processos de trabalho seguros, destacando o
papel da informação sobre trabalho, saúde e segurança na formação dos agentes, bem
como na incorporação do saber do trabalhador na melhoria dos ambientes e processos
de trabalho.
Orientar o acompanhamento e monitoramento de saúde dos ACE.
Orientar a elaboração de fluxos de atendimento e encaminhamento dos trabalhadores
frente às situações de acidentes, doenças e agravos relacionados ao trabalho, bem como
ações de vigilância em saúde do trabalhador e aspectos legais de notificações e registro
de doenças e acidentes.
PÚBLICO-ALVO
Profissionais que atuam no controle vetorial, equipes de saúde, gestores federais, estaduais
e municipais de saúde, coordenadores dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador,
rede intersetorial e demais profissionais que tenham interface com o tema
ESTRUTURA DO MANUAL
Este Manual foi estruturado em cinco eixos temáticos, organizados a partir de um olhar
sistematizado sobre a saúde dos trabalhadores, priorizando, a partir da análise do processo
de trabalho, a identificação dos perigos e riscos a que estes estão sujeitos, bem como a
descrição das correspondentes medidas de controle e proteção, conforme indicado a seguir:
O Eixo 1 está centrado na figura do agente de combate às endemias. Descreve as atribuições
legais dos trabalhadores dessa categoria profissional e apresenta um breve resumo do
histórico do trabalho dos agentes.
O Eixo 2 aborda os processos de trabalho e os fatores de risco identificados durante a realização
das atividades dos agentes de combate às endemias, bem como as consequências para sua
saúde, como doenças e agravos relacionados ao trabalho, que podem se desenvolver a partir
das situações de trabalho e exposições.
O Eixo 3 apresenta orientações práticas e operacionais de proteção à saúde, a partir da
análise das atribuições dos agentes de combate às endemias, do processo de trabalho e dos
fatores e situações de riscos aos quais estão expostos. Busca, a partir da lógica da hierarquia
de controles, sistematizar as medidas de proteção coletiva e individual a serem seguidas,
visando a promoção da saúde dos trabalhadores. Ressaltam-se, como aspectos prioritários, a
manutenção das condições de ambientes e processos de trabalho mais seguros e os cuidados
a serem observados na operacionalização e manejo dos produtos e substâncias utilizadas.
O Eixo 4 estabelece, com base em normas e procedimentos técnicos, as ações de
monitoramento da situação de saúde dos agentes de combate às endemias, como exames
admissionais e periódicos e monitoramento clínico.
O Eixo 5 apresenta ações a serem realizadas pela rede de atenção à saúde frente à ocorrência
de doenças e agravos relacionados ao trabalho, incluindo as atribuições das unidades
de urgência e emergência, do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest),
da Atenção Básica e da Vigilância em Saúde, além de informações toxicológicas e os fluxos
e notificações a serem estruturados na rede.
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