O agente de combate às endemias: breve história da
evolução da categoria profissional
O surgimento dos agentes de combate às endemias foi fundamentado no histórico das
ações de enfrentamento da malária, febre amarela e outras endemias rurais, como a doença
de Chagas e a esquistossomose. O recorte mais significativo desse histórico teve início
quando Oswaldo Cruz, após assumir o cargo de Diretor-Geral de Saúde Pública em 1903,
adotou um modelo de controle baseado na forma de organização militar (BRASIL, 2004).
A polícia sanitária brasileira, que atuava no controle do vetor da febre amarela no Rio de
Janeiro, era constituída por um grupo de agentes sanitários chamado de brigada de
“mata-mosquitos”, formado por jovens recrutados para exterminar os possíveis focos
de reprodução do Aedes aegypti nos imóveis. O trabalho consistia na visita domiciliar para a
limpeza de calhas, depósitos e caixas d’água, muitas vezes, sem consentimento dos próprios
moradores (BEZERRA, 2017). Assim, os serviços e as competências desses agentes foram
se fortalecendo e se institucionalizando.
Em 1970, foi criada a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), que
incorporou os recursos humanos e as técnicas de controle das endemias em sua estrutura
organizacional e operativa, e herdou uma forma de trabalho que se baseava em normas
técnicas específicas das campanhas, a exemplo da malária e febre amarela.
Conforme os Decretos Federais nº 57.474/65 e nº 56.759/65, que estabeleceram normas
para o controle da malária e da febre amarela, respectivamente, observa-se uma série de
procedimentos que estão diretamente relacionados com o trabalho de campo e a identificação
do território de atuação, a exemplo do reconhecimento geográfico, que se baseia no cadastro
das casas, na contagem do número de imóveis e habitantes e na construção de croquis das
localidades, vias de acesso e acidentes geográficos. Além disso, destacam-se atividades de
vigilância sobre os focos e sua erradicação, com a sensibilização da população por meio da
educação sanitária e o uso de inseticidas (BEZERRA, 2017).
Na década de 1990, foi criada a Fundação Nacional de Saúde (FNS), que mais tarde, em
1999, passou a ser representada pela sigla Funasa e incorporou as funções da Sucam e da Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP). Conforme Varga (2007), a instituição herdou
da FSESP o que se chamou de “sanitarismo integralista” (serviços de saúde, saneamento
e abastecimento de água), e da Sucam, as experiências do campanhismo popularizado de
base territorial, com foco no trabalho de campo com as comunidades. Absorveu, também,
as atividades da extinta Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde (SNABS) e da
Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde (SNPES), bem como as ações
de informática do SUS, até então desenvolvidas pela Empresa de Processamento de Dados
da Previdência Social (Dataprev).
A Funasa foi criada em meio a um cenário de transformações sociais, econômicas e políticas
em âmbito nacional, assumindo todas as ações de controle das endemias e de saneamento
público domiciliar do país. Durante os primeiros anos, desenvolveu suas atividades de
forma centralizada e pouco sistêmica. Esse período caracterizou-se pelo desenvolvimento
de ações pontuais, setoriais e desarticuladas. Essa realidade, aliada às diferenças culturais
das organizações que a originaram, dificultava sua integração ao Sistema Único de Saúde
(BRAGA; VALLE, 2007).
Com a implantação do SUS e o processo de descentralização, ações que eram de responsabilidade da União foram consignadas aos estados, municípios e Distrito Federal. Nesse
contexto, muitos ACE que atuaram diretamente no controle de vetores, realizando visitas
domiciliares, inspeções e eliminação de depósitos aptos à proliferação do mosquito
transmissor da dengue (ações voltadas especificamente ao controle do Aedes aegypti) e
que estavam regidos por contratos temporários, foram demitidos em meio ao processo de
descentralização e reordenamento organizacional institucional (BEZERRA, 2017).
Em 2003, com a aprovação da Medida Provisória nº 86, os 5.792 ACE demitidos foram
reintegrados. Em 2006, a Medida Provisória nº 297 estabeleceu que esses trabalhadores
reintegrados fossem regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), conforme
a Lei Federal nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000, como empregados públicos (GUIDA
et al., 2012). No mesmo ano, com a publicação da Lei Federal nº 11.350, de 5 de outubro de
2006, o trabalho dos agentes passou a ocorrer exclusivamente no âmbito do SUS, mediante
contratação por meio de seleção pública, não sendo permitida a contratação temporária ou
terceirizada, salvo em situações de epidemias (BRASIL, 2006a).
Em 2018, foi publicada a Lei Federal nº 13.595, de 5 de janeiro de 2018, que alterou a
Lei Federal nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, e que dispõe sobre a reformulação das
atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos
de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais agentes
comunitários de saúde (ACS) e ACE (BRASIL, 2018a).
No que se refere às atividades desses profissionais, a legislação mais recente outorgou
novos direitos às duas categorias, como a contagem entre regimes de previdência para
fins de concessão de benefícios, o adicional de insalubridade, a definição de horário de trabalho considerando as condições climáticas
locais, o fornecimento ou garantia de custeio do
transporte para que exerçam suas atividades e,
no caso específico dos ACE, a obrigatoriedade
de sua presença na estrutura da vigilância
epidemiológica e ambiental.
Importante destacar que, a depender do código
de saúde do estado ou município, o ACE pode
adquirir outras denominações como agente
de vigilância ambiental, agente de saúde
ambiental, agente de controle de endemias,
entre outros, sem que isso interfira nas suas
atribuições e direitos garantidos legalmente.
Neste Manual, optou-se por utilizar o termo
agente de combate às endemias por ser esta a
denominação constante nas normas vigentes,
adotada, também, pela Classificação Brasileira
de Ocupações (CBO).
1.2 Atribuições dos agentes de combate às endemias e ações
complementares dos agentes comunitários de saúde
Conforme preconizado pela Política Nacional de Vigilância em Saúde1 e pela Política
Nacional de Atenção Básica2, a integração entre as ações de Vigilância em Saúde e de
Atenção Básica é fator essencial para o atendimento das reais necessidades de saúde
da população. Nesse sentido, o trabalho conjunto e complementar entre os Agentes de
Combate às Endemias (ACE) e os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), em uma base
territorial comum, é estratégico e desejável para identificar e intervir oportunamente nos
problemas de saúde-doença da comunidade, facilitar o acesso da população às ações e
serviços de saúde e prevenir doenças.
Integrar implica discutir ações a partir da realidade local, aprender a olhar o território e
identificar prioridades, assumindo o compromisso efetivo com a saúde da população, desde
o planejamento e definição de prioridades, competências e atribuições até o cuidado efetivo
das pessoas, sob a ótica da qualidade de vida (BRASIL, 2008).
De acordo com o art. 3º da Lei Federal nº 13.595, de 5 de janeiro de 2018 (BRASIL, 2018a),
as atribuições dos ACE consistem em:
Desenvolver ações educativas e de mobilização da comunidade relativas à prevenção
e ao controle de doenças e agravos à saúde;
Realizar ações de prevenção e controle de doenças e agravos à saúde, em interação com
os ACS e as equipes de Atenção Básica;
Identificar casos suspeitos de doenças e agravos à saúde e encaminhá-los, quando
indicado, à unidade de saúde de referência, assim como comunicar o fato à autoridade
sanitária responsável;
Divulgar, entre a comunidade, informações sobre sinais, sintomas, riscos e agentes
transmissores de doenças e sobre medidas de prevenção coletivas e individuais;
Realizar ações de campo para pesquisa entomológica e malacológica e coleta de reservatórios de doenças;
Cadastrar e atualizar a base de imóveis para planejamento e definição de estratégias
de prevenção e controle de doenças;
Executar ações de prevenção e controle de doenças, com a utilização de medidas de controle químico e biológico, manejo ambiental e outras ações de controle integrado de vetores;
Executar ações de campo em projetos que visem a avaliar novas metodologias de
intervenção para a prevenção e controle de doenças;
Registrar informações referentes às atividades executadas, de acordo com as normas
do SUS;
Identificar e cadastrar situações que interfiram no curso das doenças ou que tenham
importância epidemiológica, relacionada principalmente aos fatores ambientais;
Mobilizar a comunidade para desenvolver medidas simples de manejo ambiental e outras
formas de intervenção no ambiente para o controle de vetores.
A Lei Federal nº 13.595, de 5 de janeiro de 2018 (BRASIL, 2018a), também define algumas
ações a serem desenvolvidas de forma integrada com os ACS (art. 4º-A), em especial no
âmbito das atividades de mobilização social por meio da educação popular, dentro das
respectivas áreas geográficas de atuação, a saber:
Orientação da comunidade quanto à adoção de medidas simples de manejo ambiental
para o controle de vetores, de medidas de proteção individual e coletiva e de outras ações
de promoção à saúde para a prevenção de doenças infecciosas, zoonoses, doenças de
transmissão vetorial e agravos causados por animais peçonhentos;
Planejamento, programação e desenvolvimento de atividades de vigilância em saúde,
de forma articulada com as Equipes de Saúde da Família; Identificação e comunicação, à unidade de saúde de referência, de situações que,
relacionadas a fatores ambientais, interfiram no curso de doenças ou tenham importância
epidemiológica;
Realização de campanhas ou de mutirões para o combate à transmissão de doenças
infecciosas e outros agravos.
Ainda de acordo com a Lei Federal nº 13.595/2018 (BRASIL, 2018a), os ACE devem
desenvolver outras atividades, expressas na lei, assistidas por profissionais de nível superior
e condicionadas à estrutura da Vigilância em Saúde e da Atenção Básica.
Dessa forma, cabe ressaltar que as atividades dos ACE são diversas e não se restringem
apenas às ações de controle das arboviroses abordadas neste Manual. Outros documentos
importantes, tais como a Política Nacional de Vigilância em Saúde, a Política Nacional de
Atenção Básica e a Política Nacional de Promoção da Saúde3, também trazem diretrizes
gerais para a atividade dos agentes que atuam no controle de doenças, incluindo os ACE, na
lógica da territorialização e da integralidade do cuidado à saúde da população.
Importante salientar que, nas situações em que os ACS desenvolverem ações de controle
vetorial, as medidas recomendadas neste Manual também devem ser direcionadas a esse
grupo de trabalhadores
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